O Estado Laico

A propósito da Missa de Ação de Graças, convocada pela atual administração
da universidade, na página oficial da entidade, sob o brasão oficial da UFSC.

O Estado laico foi uma conquista da res publica que custou muita luta e muito sangue para derrotar as monarquias absolutistas que se julgavam representantes de um ser supremo. Os reis não apenas se vestiam e portavam como deuses, mas realizavam um domínio completo sobre o corpo e a mente de seus súditos.  Questionar significava morrer. Que o diga Galileu Galilei!

Na América Latina, o Estado que mais avançou em sua laicidade foi o México. As Leis de Reforma, de 1859, passaram a reconhecer como válidas as certidões de nascimento e casamento civil com prejuízo para o batistério e o enlace religiosod+ expropriaram os conventos, transformando-os em repartições públicas e, tomaram as terras eclesiásticas, vendendo-asd+ apoderaram-se dos templos, das escolas religiosas e dos cemitérios, secularizando-os. Até algumas festas religiosas foram suprimidas. Estas leis, defendidas pela Revolução Mexicana de 1910, foram incorporadas na Constituição de 1917, considerada a mais avançada do mundo, em sua época. O artigo 3° desta Carta Magna materializa o Estado laico respeitando a liberdade individual de credo e afirmando que “o critério que orientará a educação [oferecida pelo Estado] se manterá, inteiramente, alheia a qualquer doutrina religiosa”.

Pancho Villa, um homem simples e ligado ao trabalho rude do campo, depois da tomada de Zacatecas, em 1913, prendeu um grande número de padres professores lasallistas, tendo o cônsul francês intercedido por eles. Alguns dias depois recebeu o diplomata estrangeiro um oficial villista muito educado que lhe comunicava que os curas poderiam continuar a trabalhar na cidade, conquanto que, ao invés de aulas de religião, passassem a ensinar as Leis da Reforma e trocassem as missas por atos cívicos (sic). Diante da negativa dos padres, Villa cobrou um resgate de 100 mil pesos, metendo-os em um carro de carga ferroviária e enviando-os aos Estados Unidos.

No Brasil, o Estado é laico e está contemplado em sua Constituição. No entanto, esta laicidade vem sendo burlada sistematicamente com a colocação de símbolos religiosos em espaços públicos. A universidade, com base na Carta Magna, deve não apenas condenar esta prática, mas ser o templo do Estado laico.

Começa mal a atual administração Roselane/Lúcia ao convocar a comunidade universitária para uma “Missa de Ação de Graças pela Nova Gestão da UFSC – 2012/2016”. E como ficam os pró-reitores e as pró-reitoras ateus? E como se comportam as chefias agnósticas? E que dizer das pessoas com funções gratificadas ou cargos de direção que não são católicas, já que a missa é a celebração de um rito específico de uma determinada religião?

Com toda razão, alguém poderia sugerir um ritual no Terreiro de Umbanda ou uma celebração na Sinagogad+ um louvor em um Templo Evangélico ou um descarrego com as toalhinhas abençoadas do “milagroso” apóstolo Valdomirod+ uma marcha para Jesus pelo campus ou uma peregrinação ao Morro da Cruz.

Espero que não haja conversões de última hora ao deus de Abraão, Jacó e Isaac por conta da missa e menos ainda algum sacrifício no altar do servilismo. Pois aquilo que não existe, poderá aparecer de um momento para o outro.  “Muitos dizem”, afirma Bertold Brecht, “que você não existe e que é melhor assim. Mas como pode não existir o que pode assim enganar? Se tantos vivem de você, e de outro modo não poderiam morrer – Diga-me que importância pode ter então que você não exista”?

O creacionismo, teoria que se contrapõe ao darwinismo, é sempre uma conseqüência do sectarismo e do fanatismo religioso. Para contrarestar toda e qualquer investida da religião sobre o Estado, desfigurando-o de sua laicidade e tornando-o um instrumento de opressão de consciências, é de fundamental importância que a universidade – denominada nos países hispânicos de a Máxima Casa do Saber – seja demasiadamente lúcida na separação entre o laico e o religioso. Nem sequer um culto ecumênico deveria acontecer. No entanto, foi-se mais longe: buscou-se uma missa. Esta é a do primeiro dia da gestão! Que não venha a outra.

Waldir José Rampinelli
Departamento de História/UFSC