Uma acusação de fraude envolvendo uma dissertação de mestrado defendida em 2008 e um artigo científico publicado no ano passado, ambos de pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná), levou a um desfecho inusitado: o mestrado foi alterado quatro anos após a defesa e republicado.
A reportagem da Folha tomou conhecimento do caso pelo Folhaleaks, canal criado pelo jornal para receber informações e documentos. “Em 30 anos de vida acadêmica, eu nunca tinha visto isso”, reconhece o pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da UFPR, Sergio Scheer.
Em geral, uma vez que um trabalho de mestrado ou doutorado é aprovado por uma banca de examinadores, o aluno tem, no máximo, algumas semanas para fazer correções finais antes de o trabalho ser “eternizado” na biblioteca da universidade.
Para a UFPR, que concluiu investigação sobre o caso no mês passado, houve apenas uso indevido de imagens. As imagens infravermelhas teriam sido publicadas sem autorização da empresa curitibana Thermotronics. O dono da empresa, no entanto, afirma que as imagens são fraudulentas, já que servem de base para descrever experimentos que não teriam ocorrido da maneira como afirmam os cientistas.
RATOS NA BERLINDA
O mestrado do médico Angelo Manoel Grande Carstens envolveu a visualização, via infravermelho, do efeito de dois anestésicos, a bupivacaína e a levobupivacaína, nos vasos sanguíneos de ratos. No ano passado, os resultados dessa mesma pesquisa saíram também na “Revista Brasileira de Anestesiologia”.
“É possível conseguir informações fantásticas sobre o metabolismo usando essas imagens de infravermelho”, diz o engenheiro Mário Cimbalista Junior, dono da Thermotronics que denunciou a suposta fraude à UFPR.
Segundo Cimbalista Junior, ele tinha sido sócio de um dos orientadores de Carstens, o médico Marcos Leal Brioschi. Ele afirma que costumava ceder as dependências da empresa para experimentos. “Resolvi procurar na internet referências à Thermotronics em artigos científicos e me deparei com o estudo. Fiquei chocado”, conta.
Enquanto o trabalho declara que os experimentos ocorreram num laboratório da UFPR em 2007, Cimbalista Junior diz que foram feitos em 2004, na cozinha de sua empresa.
Os pesquisadores também teriam errado no número de ratos filmados no estudo, no número de roedores mortos no experimento e nas informações sobre os aparelhos utilizados. “Tudo isso compromete os resultados.”
INVESTIGAÇÃO
A universidade criou uma comissão para investigar o caso, a qual concluiu que as imagens, nas quais o empresário baseou sua denúncia, foram usadas de forma meramente ilustrativa. “Faltou dizer isso na dissertação original. A gente sempre diz aos alunos que é preciso deixar clara a fonte de tudo o que se usa num trabalho”, afirma o pró-reitor.
Segundo ele, o estudo usou como base outro aparelho, que não fazia o mesmo tipo de imagem. Os resultados, portanto, ainda valeriam. O editor-chefe da “Revista Brasileira de Anestesiologia”, Mário Conceição, afirmou à Folha que a equipe da publicação ficou “preocupada” com as denúncias. No entanto, diz ele, “os conceitos e resultados apresentados foram de responsabilidade dos autores.”
A Folha apurou que Cimbalista Junior está processando Brioschi. Nenhum dos dois quis comentar a ação judicial.
OUTRO LADO
Por meio de sua advogada, Eloisa Pontes Tavares, o médico Marcos Leal Brioschi, um dos orientadores da dissertação de mestrado e do artigo colocados sob suspeita, disse que preferia não se pronunciar sobre o conteúdo da denúncia, declarando que “a posição oficial da UFPR reflete a realidade dos fatos”.
Para a universidade, o problema dos trabalhos foi apenas no uso não autorizado de imagens infravermelhas.
A reportagem da Folha procurou por telefone e por e-mail o anestesiologista Angelo Manoel Grande Carstens, autor do mestrado, e deixou recado no hospital onde ele trabalha e em sua casa, mas o médico não respondeu as mensagens.