A Embrapa deve permanecer 100% pública. Essa foi a principal conclusão dos participantes do Seminário Nacional Ameaça de Privatização da Embrapa e Perímetros Irrigados do Nordeste, realizado no dia 12 de abril, em Brasília. Organizado pela Diretoria Nacional do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf), o evento reuniu mais de 100 pessoas de todo o país, entre dirigentes sindicais e trabalhadores da base. Além da proposta de abertura de capital da empresa, com venda de ações na bolsa de valores (PLS 222/08), também foram discutidas outras propostas, como a transformação da estatal em autarquia especial, instituto ou fundação. Ao final, foi aprovado um manifesto pela manutenção da empresa como órgão público.
O seminário apontou a necessidade de criação de um grupo de trabalho com objetivo de estudar outras possibilidades de financiamento para a pesquisa e o desenvolvimento agropecuário, buscando viabilizá-la tanto no Legislativo quanto no Executivo. A principal diretriz dessa formulação será o fortalecimento do caráter público da pesquisa e o afastamento da influência do capital privado, que na visão dos trabalhadores e lideranças sociais tem distanciado a empresa de sua função social.
Os debatedores também apontaram uma articulação do sindicato, no Congresso Nacional, para a criação de uma frente parlamentar de defesa da Embrapa pública com atuação mais forte na agricultura familiar. Com relação aos perímetros irrigados, o principal encaminhamento foi de sensibilização do poder público sobre a importância da criação de agrovilas.
Além dos trabalhadores, também participaram do seminário lideranças sindicais e sociais da CUT, do Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz (Asfoc-SN), Via Campesina e Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST). O ex-pesquisador da Embrapa João Luiz Homem de Carvalho representou o senador Cristovam Buarque e afirmou que o parlamentar tem se interessado pelo assunto e que apoia os trabalhadores em sua luta pela manutenção da Embrapa pública.
Embora tenham sido convidados a participar do evento, os gestores da Embrapa e Codevasf, assim como outros representantes do governo, não compareceram. “Para nós, o governo deu um recado claro de que não pretende, pelo menos agora, discutir esse assunto com os trabalhadores e com a sociedade. Esse diálogo seria muito importante para nós, principalmente neste momento em que a abertura de capital tem sido festejada por alguns como a única via possível para a revitalização da Embrapa”, afirmou Vicente Almeida, presidente do Sinpaf.
Manifesto pela Embrapa pública
“Fundada em 1973 com a missão de viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira, a Embrapa chega aos 39 anos, no dia 26 de abril, ameaçada pela ganância daqueles que a consideram anacrônica e não-competitiva. Por isso, nós, dirigentes sindicais, trabalhadores, representantes da sociedade civil organizada e parlamentares comprometidos com a defesa da pesquisa agropecuária pública, reunidos em Brasília no dia 12 de abril de 2012, manifestamos nossa posição contrária a qualquer forma de mercantilização do conhecimento e das tecnologias geradas pela Embrapa, que defendemos 100% pública.
Repudiamos não só o PLS 222/08, que prevê a abertura de capital da Embrapa, mas quaisquer tentativas de tornar a empresa um braço ainda mais forte do agronegócio em detrimento dos interesses da sociedade, que demanda uma agricultura capaz de garantir não só a segurança alimentar, mas também a sustentabilidade ambiental, social e econômica. Desprezamos e condenamos quaisquer possibilidades de equiparação da Embrapa, ou qualquer outra estatal do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), com uma empresa privada, cujo principal objetivo é a obtenção de lucro, distribuição de dividendo e criação de valor para seus acionistas.
Para tanto, nos sustentamos, entre outros argumentos, no parecer do ilustríssimo jurista Dalmo Dallari, encomendado por este sindicato ainda em 2008, ano da apresentação do PLS 222/08 ao Senado. Conclui Dallari que, “quando o Estado promover pesquisa seu objetivo deverá ser sempre, necessariamente, o interesse coletivo. E quando der apoio a pesquisas realizadas pelo setor privado ou em associação com este, deverá sempre estar presente algum benefício para o interesse coletivo, sendo vedado o apoio a pesquisas que, de alguma forma, possam produzir resultados contrários ao interesse coletivo do povo brasileiro”.
A despeito de sucessivas reclamações dos entusiastas da mercantilização da pesquisa agropecuária desenvolvida pela Embrapa, de que a estatal “perdeu o bonde” da história, contundentes são as críticas dos movimentos sociais de agricultores familiares de base agroecológica sobre a falta de interesse da empresa pública em desenvolver tecnologias para esse segmento. Portanto, para nós, a abertura de capital somente intensificaria o que hoje já se observa no seio da estatal: a predominância de uma visão hegemonicamente voltada para a agricultura comercial de produção de commodities. Isso já contraria a própria missão da Embrapa.
Ratificamos, ainda, o apoio à luta contra a “empresarização” dos perímetros irrigados públicos na região Nordeste. Segundo estudos da Universidade Estadual do Ceará (UECE), as principais implicações desse processo são a concentração de renda por parte de empresas nacionais, transnacionais e médios produtoresd+ concentração de terra (por meio da compra e invasão de terras da União)d+ exploração e contaminação de trabalhadores pelo uso de agrotóxicos, além da degradação ambiental.
Assim sendo, registramos a exigência de que a Embrapa atue como estatal 100% pública e que quaisquer alterações no seu modelo de gestão sejam discutidas com seus trabalhadores e a sociedade brasileira, e tenham, acima de tudo, o objetivo de fortalecer e consolidar sua missão de empresa pública de caráter estratégico para a soberania do Estado brasileiro.”