Transporte em Florianópolis aquece discussão sobre Plano Diretor

Uma pesquisa realizada em 2009 por Valério Medeiros, professor da Universidade de Brasília (UnB), constatou que Florianópolis tem a pior mobilidade urbana do Brasil. O estudo levantou dados em cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes e comparou as informações com dados de outras 164 cidades do mundo. O índice da capital catarinense foi 0,199, bem abaixo da segunda colocada, a capital fluminense, que obteve 0,303. As capitais com melhor mobilidade urbana são Porto Velho (RO), índice 1,458, Palmas (TO), 0,963 e Teresina (PI), com 0,861. No ranking mundial, Florianópolis é a segunda pior, perde apenas para a cidade de Phuket, na Tailândia.

A pesquisa tem três anos e, desde então, algumas obras foram feitas pela cidade: na região sul foi construído o viaduto do Trevo da Seta, a logística da entrada da Ilha foi reconfigurada e, no norte, a SC-401 foi duplicada e ganhou iluminação e ciclovias. No entanto, o problema persiste. “É necessário que se façam mais ações que melhorem a mobilidade na região metropolitana da capital”, diz o Coordenador do núcleo gestor do Plano Diretor de Florianópolis (PDF), Rodolfo Pinto da Luz, que reclama do trânsito que enfrenta quando tem que sair do centro para chegar à Trindade ao fim da tarde.

As discussões sobre o PDF foram iniciadas em 2006 e, em 2010, o projeto final foi rejeitado pela população. O assunto volta agora à tona: “Hoje não temos um Plano Diretor, temos um plano de ocupação de solo. Agora a ocupação de solo é apenas um item do Plano Diretor”, destaca o prefeito Dário Berger. A concepção do PDF será feita junto à sociedade civil através de 13 audiências públicas distritais que têm início em maio: “O plano não é uma imposição. Estamos abertos a sugestões”, convida Berger e define: “Um plano diretor se assemelha aos dez mandamentos. É a bíblia da cidade”.

Propostas

Na quarta-feira, 18 de abril, foi apresentada em coletiva de imprensa a versão atual do plano, que deve sofrer alterações após a realização das audiências. De acordo com a comissão técnica, há a preocupação em manter a cidade visualmente agradável e promover um crescimento direcionado e um esquema polinuclear (descentralização da cidade e melhor utilização do espaço disponível). Essas ações teriam impacto imediato na melhoria da mobilidade.

Entre as obras propostas estão a construção de um túnel que ligue o centro à Trindade através do Morro da Cruz, a duplicação de vias, a criação de faixas exclusivas para transportes coletivos, a reserva de espaço para ciclovias, a ampliação de calçadas e uma logística de transporte marítimo. “É claro que não há maneira de duplicar todas as vias, construir ciclovias e ampliar as calçadas em toda a cidade. Essa parte do projeto se aplica a vias principais, com destaque para as SCs”, explica Luz. O coordenador também defende mais uma ligação entre ilha e continente “seja a quarta ponte, seja um túnel subaquático”.

Para Werner Kraus Junior, professor do Departamento de Automação e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que atua na área de Controle de Tráfego Urbano, a quarta ponte ou o túnel subaquático entre a avenida Beira-Mar Norte e a região continental de Florianópolis geraria um fluxo de automóveis de difícil absorção pela malha viária da ilha, “a não ser que se faça da Beira-Mar uma via de trânsito rápido, sem semáforos”.

Werner concorda com a construção do túnel, mas reforça a necessidade de, antes de qualquer outra medida, melhorar o sistema de transporte urbano. “Essa é uma ótima oportunidade de redefinir o sistema de mobilidade da região metropolitana graças a dois fatores: a obrigatoriedade de apresentar Planos Diretores de mobilidade em função da lei 12.587/2012 e a aprovação da nova lei municipal de transporte público”, relembra e destaca que “é possível, sim, melhorar. O que falta é vontade política e, principalmente, a retomada do poder do Estado no planejamento, poder que, hoje, está na mão dos operadores”.

A criação do transporte marítimo é um ponto comum entre os professores Werner e Luz e é, também, uma ação bem quista pelos habitantes da região metropolitana que se expressaram através de comentários no site do jornal Diário Catarinense. De acordo com Rodolfo Pinto da Luz, as rotas e os ancoradouros dependem da conclusão do PDF, mas há algumas ideias de logística, como uma revitalização da orla próxima ao Centro Sul para a construção de um ancoradouro que tenha uma passarela que o conecte ao Terminal de Integração do Centro (Ticen). O traslado entre Palhoça e o Ribeirão da Ilha (região sul) e entre Biguaçu e Canasvieiras (região norte) também é cogitado. Werner aponta para o exemplo do Rio de Janeiro, “onde 20% dos deslocamentos na região da Baía de Guanabara são feitos por barco”. As vias marítimas também seriam úteis ao transporte de cargas, o que reduziria o número de caminhões que circulam entre Ilha e continente.

Gestão de demanda e novas centralidades

Outras ações não envolvem obras de trânsito, mas influenciam no deslocamento da população. Uma delas é a gestão de demanda. “É possível casar horários. As escolas poderiam começar às 9h, por exemplo”, sugere Werner, com a ideia de evitar que muitas pessoas saiam em uma mesma faixa de horário. Uma reorganização da cidade também reduziria a demanda por transportes. O atual Plano Diretor de Florianópolis prevê uma maior miscigenação de uso das zonas da cidade: a criação de pequenos núcleos residenciais e comerciais elimina a necessidade de pegar o carro para fazer coisas básicas, como ir à padaria.

Não há um prazo fixo para a conclusão do documento que vai reger as obras. Estima-se que em junho o texto chegue à Câmara de Vereadores de Florianópolis. “O projeto deve passar por oito a dez comissões, inclusive por uma comissão de saúde, porque não se pode criar ambientes inóspitos, ilhas de calor”, alerta o presidente da Casa, Jaime Tonello. Cada uma das comissões tem 30 dias corridos para fazer a análise do projeto e esse prazo pode ser estendido pelo tempo que for considerado necessário pelos membros da equipe. Há, ainda, outros fatores que podem prolongar a duração do processo: o recesso de 15 dias em julho e as eleições municipais que ocorrem em outubro.