Muito interessantes as discussões que surgem em torno da proposta de tabela de progressão. Em muitos momentos os discursos vão no sentido de execrar a tabela anterior e enaltecer a que está sendo proposta. Em outros, os discursos desqualificam a tabela proposta e sugerem algumas reformas na atual. Falam do fim da “saturação” proposta na nova tabela, falam da valorização de todas as atividades, mas parece que não percebem a desvalorização, bem como a desconsideração de muitas das atividades que desenvolvemos e que são fundamentais para o funcionamento da universidade, para a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão.
Um dos grandes problemas de tabelas deste tipo é que não conseguem incorporar no tempo determinado (falo aqui de 40 horas) tudo o que fazemos, considerando, então, apenas algumas que passam a ser julgadas importantes. No caso da progressão para associado, vertical e horizontalmente, as atividades relacionadas à pesquisa. Cotidianamente tenho ouvido professores falarem de estafa, de falta de tempo para tocarem alguns projetos, principalmente os de pesquisa (incluo-me). Tornou-se comum utilizarmos os fins de semana para dar conta do trabalho. Vejo muitos adoecendo. Vejo muitos que, para dar conta do que é valorizado, se esquivam de várias outras atividades fundamentais.
Não vejo ninguém fazendo uma reflexão do real sentido do que chamamos pesquisa e produção de conhecimento, sobre a real apropriação desses conhecimentos pela sociedade, bem como sua aplicação. No que tange ao desenvolvimento tecnológico, sabemos que, na maior parte das vezes, se resulta em benefício social, isto não se dá sem resultar em benefícios privados. No que tange à produção de tecnologia social, esbarramos, normalmente, na dificuldade ou impossibilidade de aplicação do conhecimento produzido pelo fato de implicarem na necessidade de mudanças que atingem diretamente interesses políticos, interesses privados e, principalmente, a manutenção da lógica deste sistema, que acredito, todos os professores desta universidade devem entender. Considerando esta observação sobre a produção de conhecimento e sua aplicabilidade, creio que podemos refletir um pouco a respeito da supervalorização da pesquisa em detrimento das demais atividades, principalmente dos projetos de extensão (se a tabela proposta não considerasse duas casas após a virgula, não valeriam nada).
Mas o grande problema ainda não está exatamente na valorização da pesquisa, mas sim na supervalorização das publicações. Parece que o fato de o conhecimento ser publicado é, por si, suficiente para levar um país ao tão propalado desenvolvimento (palavra que exigiria uma boa reflexão). Não só publicado, mas publicado em periódicos “qualificados” (A e B)… mesmo que estes levem un ano (às vezes mais) para darem resposta a um pesquisador se seu artigo será ou não publicado e, se aceito, que o publique dois anos (ás vezes mais) após o envio. Será que as universidades não podem pensar em formas mais ágeis e fáceis para divulgar o conhecimento produzido? Temos que ficar reféns dos “qualis” da vida? Poderíamos afirmar que o que tem sido publicado nestes periódicos é o que de melhor temos produzido? O fato de estes periódicos “qualis A e B” (em algumas áreas, poucos) não darem conta de publicar o que produzimos não está indo contra esse discurso da necessidade de pesquisarmos e divulgarmos o conhecimento produzido? A produção de conhecimento é realmente fundamental? Ou será que é a produção de determinados conhecimentos?
Outro ponto que entendo ser necessário refletir é sobre a necessidade de produzirmos conhecimento para estarmos entre as “melhores instituições”. A lógica do “ranqueamento” toma conta da nossa vida. Aqui cabe a pergunta: o que as melhores instituições estão realmente fazendo pelo seu povo? O que Harvard está fazendo pelos estadunidenses pauperizados? O que as “melhores instituições” estão fazendo pela combalida União Européia? Qual o resultado dos conhecimentos produzidos no aplacamento da fome global? Da violência? Da pobreza? Da destruição do meio ambiente? Faltam pesquisas neste sentido?
Enquanto isso, vemos a nossa função de ensinar desmoronar. Como todas as atividades a que somos chamados a desenvolver não cabem nas 40 horas, me parece (é uma hipótese) que o que tem sido deixado de lado é o ensino. Mesmo questionando profundamente a “avaliação pelos discentes” proposta e efetivada na UFSC, não posso desconsiderar o fato de os alunos terem (no relatório de 2011.1), em primeiro lugar, comentado sobre a “necessidade de melhorar a didática dos professores”, bem como terem apontado, em segundo lugar, que “os professores precisam estar mais motivados, interessados e comprometidos.”
Entendo não ser possível discutir uma tabela de progressão sem refletir sobre aspectos que a determinam. Muitos outros pontos poderiam ser levantados para essa discussão. Porém, acho que não podemos direcionar a reflexão no sentido dado pelo Prof. Raimundo Batista, que primeiro parece achar que ganhamos muito e temos que justificar esse ganho com uma dedicação integral da nossa vida ao trabalho, ou então, que sejamos pesquisadores e desenvolvamos as demais atividades como for possível. Afinal, o mérito parece estar no fato de pesquisar e publicar, já que a pontuação relativa ao ensino se deve, única e exclusivamente, ao fato de ter no PAAD 8 horas aulas. Ser um professor muito bem avaliado pelos seus alunos não vale nada. Ter um artigo publicado vale muito. Defendo a valorização de todas as nossas atividades.
Adir V. Garcia
Professor do Centro de Ciências da Educação