Um mestrado em que a grade curricular tem aulas de física, história e sociologia. No corpo docente, professores dessas e de outras áreas. A mesma “variedade” pode ser observada no perfil dos alunos, que vêm de formações diversas nas áreas de biológicas, exatas e humanas. É esse o espírito da pós-graduação interdisciplinar, tipo de programa que vem crescendo no Brasil.
Como o próprio nome revela, os cursos abordam a convergência entre as áreas do conhecimento. Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), entre 1998 e 2010 o número desses programas subiu mais de seis vezes – eram 34 e hoje são 213, entre mestrados e doutorados em instituições de ensino superior públicas e privadas.
São considerados multidisciplinares programas como Gestão Ambiental, Agroenergia, Poder Judiciário, Inclusão Social, Vigilância Sanitária e Tecnologia e Cultura e Sociedade, entre outros.
Visões. Segundo Adelaide Faljoni-Alario, coordenadora adjunta do comitê interdisciplinar da Capes, a tendência de crescimento pode ser atribuída à globalização, que exige que um mesmo assunto seja analisado por diversos ângulos. “Algumas áreas demandam o conhecimento profundo de vários profissionais – entre acadêmicos, pesquisadores e pessoas que atuam no mercado -, que contribuem para esses temas avançarem”, afirma ela, que leciona na Universidade Federal do ABC (UFABC).
Euclides de Mesquita Neto, pró-reitor de pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda. “A forma tradicional como os sistemas universitários dividiram os campos da natureza e das atividades sociais não dão mais conta da complexidade de situações enfrentadas pela sociedade contemporânea.”
O crescimento desses programas, segundo os especialistas, é inevitável. “A evolução do conhecimento hoje é multidisciplinar”, explica Vahan Agopyan, pró-reitor de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP). “Não se consegue mais imaginar equipes de pesquisa de ponta que não sejam multidisciplinares.” Segundo ele, todos os investimentos da pós-graduação da USP com recursos próprios são voltados para projetos interdisciplinares.
Para os pesquisadores, os alunos desses cursos são mais abertos a experiências acadêmicas e profissionais. “Eles têm uma visão mais sistêmica para resolver problemas no mercado de trabalho”, relata João Manoel Losada Moreira, docente do programa de pós-graduação em Energia da UFABC.
Pluralidade. Para os alunos dos cursos interdisciplinares, encarar conteúdos de áreas completamente diferentes de suas formações iniciais é um dos maiores desafios.
“No começo, eu me questionava: ‘como vou dar conta de aprender física quântica?'”, conta o psicólogo e ator Alexandre Valença, que escolheu o mestrado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), porque sempre teve necessidade de ter contato com “outros saberes”. “Mas depois vemos que o que importa não é resolver as equações, mas sim compreender o pensamento por trás delas.”
Silvana Tótora, docente do mestrado em Gerontologia da PUC-SP, destaca que os professores também são desafiados pelas turmas. “A cada semestre, o público muda e temos de sentir o ritmo da classe”, explica. “É normal o aluno sentir dificuldade no início, mas eles vêm com muita vontade de aprender.”
Segundo os estudantes e os docentes, o principal ganho é formação de relações com pessoas provenientes das mais diversas áreas.
“Tive colegas que são físicos, antropólogos, sociólogos, astrônomos, entre outros”, afirma Regina Dantas, que cursa o doutorado na mesma área de Valença e tem formação em História. “Todos querem mostrar o que conhecem e aprender com o outro. É isso o que vale.