O paredismo nas universidades federais

Artigo de Amilcar Baiardi enviado ao JC Email pelo autor.

Dois movimentos paredistas nas universidades federais, um ocorrido e outro em curso, sugerem uma reflexão do mundo acadêmico, da sociedade civil e da sociedade política. Um deles, a greve nacional dos servidores técnicos administrativos, ultrapassou 100 dias, encerrando-se na semana passada. O outro, paralisação / ocupação, a denominação varia dependendo de onde ocorra, de instalações universitárias, inclusive reitorias, pelos estudantes, tem tido uma duração menor, persistindo em alguns casos, atingindo várias universidades federais, entre elas as seguintes: UFSC, UnB, Ufscar, UFF, UFES, Unifesp, UFMT e UFRB.

No caso da greve nacional dos servidores técnicos administrativos, a pauta do movimento grevista contemplava o cumprimento de um acordo assinado em 2007, um novo piso salarial e, para não se restringir a pleitos meramente corporativos, incluía a rejeição ao Projeto de Lei 1749-C/2011, que propõe a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A., EBSERH, entidade à qual, de acordo com proposta do poder executivo, caberia “implantar um modelo de gestão mais ágil, eficiente e compatível com as competências dos hospitais universitários, além de oferecer solução jurídico-administrativa sustentável que solucione as crescentes dificuldades operacionais e os inúmeros questionamentos do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal a respeito do atual funcionamento dessas instituições”.

A EBSERH, uma vez criada como empresa pública de direito privado, assumirá a gestão de todos os hospitais universitários, contratará pessoal pelo regime da CLT e os atuais servidores das universidades federais com funções hospitalares, poderão ser cedidos ao novo ente, com ônus para as instituições cedentes. Com a implantação da EBSERH as universidades federais perdem o controle de gestão dos seus hospitais e a autonomia universitária é desconsiderada. No momento o Projeto de Lei já passou pela Câmara de Deputados com emendas que não modificam sua essência e foi encaminhado ao Senado.

 Aparentemente a greve dos servidores técnicos administrativos das universidades federais não levou a nenhuma conquista para a categoria. A Fasubra, Federação de Sindicatos de Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras, promoveu uma saída organizada do movimento, pois, sem acordo, ultrapassou-se o prazo de inclusão de qualquer reajuste salarial pretendido no orçamento da União para o próximo ano. Independente das razões que poderiam justificar uma greve dos servidores técnicos administrativos, como o não cumprimento de acordo pactuado, a rejeição ao Projeto de Lei 1749/2011 parece ser um ponto de pauta a exigir, no mínimo, mais discussão nas universidades, pela amplitude de suas implicações.

O fato é que a grande maioria dos hospitais universitários do Sistema de Instituições Federais de Ensino Superior, IFES, não tem como oferecer serviços de alta complexidade com suas receitas orçamentárias e com a obrigação de atender 40 milhões de pacientes do Sistema Único de Saúde, SUS. Dentre eles, os de melhor desempenho em suas missões são os da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, e da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, o primeiro porque é pioneiro em uma concepção de empresa pública de direito privado, a qual inspira a criação da EBSERH, e o segundo porque é, em parte, mantido, por uma organização da sociedade civil, Sociedade de Amigos do Hospital São Paulo.

 A greve nacional dos servidores técnicos administrativos do sistema IFES cometeu um equívoco ao propor um ponto de pauta que diz respeito a interesses acadêmicos e sociais mais amplos, como a rejeição ao Projeto de Lei 1749/2011. A Fasubra, que elaborou a pauta, o fez por razões tipicamente ideológicas: discordar da gestão do patrimônio público por parte de uma empresa. De outro lado, o movimento paredista dos servidores técnicos administrativos das universidades federais conseguiu, indiretamente, provar que a greve desta categoria não paralisou as universidades, que seguiram, com pequenas dificuldades aqui e acolá, seu calendário acadêmico de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Isto permite a interpretação de que a alocação de servidores e seu quantitativo no âmbito das universidades federais estão a merecer análise.

 Como prêmio de consolação, a Fasubra foi contemplada com um assento no Conselho de Administração da EBSERH, como prevê o artigo nove do Projeto de Lei 1749/2011. Aí cabe a pergunta: por que se deixou de incluir no conselho os sindicatos nacionais dos docentes do sistema IFES? Os professores, promovendo a formação de médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas etc., tanto quanto os servidores técnicos administrativos, estão também presentes nos hospitais universitários.

 A paralisação / ocupação de instalações universitárias, inclusive reitorias, pelos estudantes, o segundo tipo de movimento paredista, é, por sua vez, um movimento com muito maior legitimidade. Reflete o mesmo a insatisfação com precariedades existentes em muitas universidades federais e também é reflexo de expectativas criadas em termos de assistência estudantil, que não se materializaram. Há inúmeras obras paralisadas em quase todas as universidades federais e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, REUNI, na sua implantação centrou-se na quantidade de novos cursos e no aumento do número de matriculas. O quadro é tão dramático que conclusões de graduações estão ameaçadas por falta de laboratórios, equipamentos comunitários, hospitais etc., não concluídos.

 Diante deste quadro há, paradoxalmente, manifestações díspares por parte de dirigentes universitários. De um lado, em 14 de setembro último, durante a abertura do encontro da Andifes, foro de dirigentes do Sistema IFES, o reitor João Luiz Martins (Ufop), declarou que é impossível pensar numa expansão qualificada da universidade sem pensar na pós-graduação, na pesquisa, na geração de conhecimento e formação de recursos humanos. “Nenhuma expansão pode ser feita sem ter qualidade. Não dá para pensarmos em expansão da graduação sem pensar também na Pós-Graduação” (sic), afirmou João Luiz.

Também em setembro, no dia 13, o reitor Paulo Gabriel Nacif (UFRB), em um evento interno de pós-graduação, pesquisa e iniciação científica declarou que: “construímos a maior autarquia do interior do Nordeste Brasileiro”. Nenhuma referência foi feita ao imperativo da qualidade, na ocasião, em que pese a UFRB ser “vice lanterninha” no ranking de qualidade do MEC. Talvez por isso as instalações administrativas da UFRB estejam, há mais de 100 dias, ocupadas pelos estudantes e, em nível nacional, quiçá o descuido do MEC com a excelência universitária, tenha também provocado protestos como as vaias dos estudantes ao Ministro Haddad no dia 18 de setembro último, em São Paulo. Urge refletir sobre o que foi dito pelo reitor da Universidade Federal de Ouro Preto e sobre os nexos entre sua declaração e os movimentos paredistas.

 
Amilcar Baiardi é professor titular da UFBA e da UFRB e doutor em economia pela Unicamp. Foi professor visitante da Universidade de Aarhus, Dinamarca, e da Universidade de Bolonha, Itália e é membro da Academia de Ciências da Bahia.