A reflexão sobre a universidade brasileira encontra-se confinada numa dualidade entre os que a consideram, primordialmente, um instrumento de reflexão crítica para transformação da sociedade, e os que a concebem como um celeiro de idéias cuja função é a produção de conhecimento puro ou aplicado, seja este qual for.
Alguns lamentam que a universidade “ao invés de se tornar um centro de criação do pensamento crítico, passou a ser a geradora da ciência, do conhecimento e da tecnologia, como também a preparadora de mão de obra para as grandes empresas nacionais e estrangeiras”. E, tendo isto em mente, misteriosamente concluem que a universidade se tornou menos pública. A leitura que dão para a transformação da sociedade não é outra coisa senão a comunização da região, sendo o instrumento de ação teórico para isso a crítica marxista, o tal do “pensamento crítico”. Há várias ambiguidades neste discurso.
Primeiro, contrapõem ao pensamento crítico todo os demais conhecimentos, dando aquele um caráter privilegiado como agente de transformação da sociedade. Mas, fazem isso baseado em que? Afinal, há algo de científico no marxismo que comprove suas premissas ou lhe dê uma primazia sobre outros saberes? Do ponto de vista prático, o genocídio de mais de cem milhões de seres humanos, junto com a penúria econômica das inúmeras nações que foram comunizadas, não deixa dúvidas que este não é o caminho. Infelizmente, uma parte da auto-proclamada intelectualidade latino-americana, talvez por ignorância ou arrogância, ainda tenta ver algo de positivo nesta fórmula, como se o fato de sermos latinos (a “nova Roma” que Darcy Ribeiro tanto exaltava) pudesse resultar numa experiência socialista mais humanizada. A ditadura cubana, ainda hoje, nos mostra que não.
Segundo, estigmatizam a produção do conhecimento que se entende por científico e tecnológico face a este pensamento crítico, ignorando que a característica singular da universidade é a produção de uma diversidade de conhecimento que, tradicionalmente, também se distinguiu por ser de natureza científica, como atestam o legado de alguns gigantes como Newton, Gauss, Riemann, Planck, Dirac, Einstein, Milnor, Grothendieck etc.
Terceiro, na condição de cientistas sociais, alguns se deixam levar pelo fascínio da sua área e adotam um discurso messiânico que os fazem crer que são os únicos habilitados a propor soluções para os problemas nacionais. Tal presunção é falsa, afinal, não há nada nas ciências sociais que um cidadão comum, através de um estudo paciente e sistemático, não consiga refletir e criticar e, assim, propor soluções igualmente válidas.
Por fim, confundem “universidade pública” com “universidade popular”. Mas, o que é público é representativo de todos os segmentos da sociedade e, por isso, envolve um pluralismo de idéias e não-conformidade. O que é popular assume um caráter bem definido e prega uma dicotomia insuperável entre classes, que só será bem sucedido na medida em que não é contestado, revelando-se assim uma opção autoritária. Assim, o projeto da universidade popular é distinto do projeto da universidade pública. Ambos devem dar uma contribuição à sociedade, contudo, o autoritarismo da universidade popular só aceita a transformação da sociedade dentro dos limites que ela mesmo ( a universidade popular ) impõe.
Já a universidade pública não só deve mudar a sociedade, mas também ser transformada por ela. Alguns poderão dizer que o que eu chamo de universidade pública ainda não existe pois não vemos uma presença expressiva de todos os segmentos da sociedade na universidade, embora as cotas estejam aí para atenuar isto. Sem dúvida, mas a causa disso vem lá do ensino fundamental e médio. Com efeito, alguns educadores, acreditando na tal “educação crítica”, extrapolam sua função abrindo espaço para a doutrinação escrachada dos jovens formulando currículos carregados de ideologias que deturpam a natureza das disciplinas ao dar pouca importância ao conteúdo a ser ensinado. Agindo assim, colocam em desvantagem exatamente o segmento mais vulnerável, que só tem o recurso da escola pública.
O mais curioso é que uma das poucas iniciativas de qualidade em educação, que se mostra inovadora e inclusiva, é o projeto desenvolvido pelo “Landau Global” (ver http://landauglobal.co.uk/) patrocinado, pasmem, pelo Instituto Unibanco. As “elites” não poderiam ser mais generosas. Eis que no meio das trevas surge então uma luz ….
Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática