O governo federal instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) em abril de 2007, com o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação. O Reuni também elencou como principais metas a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presencial para 90%d+ elevação gradual da relação aluno/professor para 18 e um aumento mínimo de 20% nas matrículas de graduação. Foi definido um prazo de cinco anos, a partir de 2007, para o cumprimento das metas. A UFSC foi uma das instituições que aderiu ao programa e, em 2009, instalou os novos câmpus de Araranguá, de Curitibanos e de Joinville. Para saber e divulgar entre os seus associdaos como anda esse projeto de expansão, o Boletim da Apufsc-Sindical publicará, a partir deste número, uma série de entrevistas com professores e direção dessas unidades. A primeira reportagem é sobre o campus de Joinville.
O campus de Joinville foi inaugurado em agosto de 2009 e, desde então, funciona em local provisório, dentro do campus da Univille. Ele é constituído pelo Centro de Engenharia da Mobilidade (CEM). De acordo com a UFSC, dada a diversidade de assuntos abordados no Centro e a possibilidade da formação no bacharelado e na engenharia, o Planejamento Político Pedagógico foi organizado em três ciclos. O primeiro, que corresponde aos quatro primeiros semestres, compreende os conteúdos básicos para a formação de engenharia. O segundo ciclo, que engloba o quinto e o sexto semestre, destina-se ao estudo de dois eixos de formação profissional, que correspondem às especialidades básica profissionalizantes, requeridas para o bacharelado da área: veicular e de transporte. Por último, o terceiro ciclo engloba do sétimo ao décimo semestre, e corresponde à formação necessária às sete áreas de concentração da engenharia: naval e oceânica, aeronáutica e espacial, automobilística, ferroviária e metroviária, mecatrônica, tráfego e logística e infra-estrutura de transporte.
O CEM conta hoje com 27 professores e sete técnico-administrativos para atender cerca de mil alunos. Nesta entrevista, os professores Eduardo De Carli da Silva, Luiz Orlando Emerich dos Santos, que integram o Conselho de Representantes da Apufsc, e Juan Pablo de Lima Salazar, fazem uma avaliação da situação atual do câmpus. A Apufsc também ouviu o professor Acires Dias, Diretor Geral do Centro de Engenharia da Mobilidade.
Boletim- Como está a estrutura do campus da UFSC em Joinville hoje, quais são as falhas, onde está bom, o que precisa ser melhorado?
Professores – O local onde estamos funcionando é provisório e está no limite de sua capacidade. Na sala de professores não cabe mais ninguém. Se chegarem novos professores não teremos mais espaço. Para as aulas também está complicado. A falta de salas de aulas foi tanta que tivemos que alocar turmas à noite. O nosso auditório hoje, onde damos aulas para mais de 220 alunos, não tem boa estrutura para esse número de alunos. Não tem nem quadro negro, precisamos dar aula usando slides ou transparências, e com um quadro digital que não funciona muito bem. Então, para dar uma aula de cálculo, por exemplo, com 220 alunos, ou você projeta a conta ou você se vira em fazer de alguma outra forma. Além disso, o auditório também está sendo usado além de sua capacidade. Outro ponto problemático é que a sala do professores fica embaixo de uma arquibancada de um ginásio de esporte. Nos dias que tem jogo ali fica inviável trabalhar. Além disso, como todos os professores estão no mesmo lugar, é um entra e sai de alunos o tempo todo e a gente não consegue ter sossego para fazer quase nada. Os banheiros ficam juntos da sala. Um deles tem exaustão para a sala dos professores. Fica muito desagradável. Está tudo improvisado e em alguns casos, precário. As salas de aulas em si, que são da Univille, são boas. Com relação à infra-estrutura, no que compete a pesquisa, hoje se aprovarmos um projeto não temos onde colocar qualquer equipamento, mesmo se fosse uma simples impressora.
Boletim – Em várias universidades pelo mundo existem projetos semelhantes ao de Joinville no tocante as turmas grandes nas fases iniciais. Quais seriam as semelhanças e divergências entre os projetos de algumas universidades americanas e européias e o de Joinville? Vocês poderiam citar exemplos?
Professores – Não há como comparar a disponibilidade de recursos financeiros e humanos entre a UFSC, câmpus Joinville, e as reconhecidas universidades americanas e européias. O aspecto mais preocupante é a filosofia do PPC (Projeto Pedagógico de Curso), que divide essas turmas grandes em aulas práticas e teóricas. As aulas teóricas são para turmas de até 220 alunos. As aulas práticas são com turmas menores, de até 44 alunos. Isso pode ter vantagens para o aprendizado, mas do modo que está sendo implantado, onde cada professor leciona uma aula teórica por disciplina e até cinco aulas práticas por disciplina, gera um desgaste muito grande para o professor. Repetir o conteúdo cinco vezes toda semana é muito desestimulante. Além do mais, essa metodologia compromete 12 horas de ensino por disciplina de graduação, no mínimo. Isso sem falar em corrigir provas e trabalhos para mais de 200 alunos. Com essa carga horária em sala de aula na graduação, fica difícil pensar em lecionar na pós-graduação ou fazer pesquisa relevante. Ao contrário das universidades em outros lugares, aqui em Joinville é o professor que carrega “todo o piano nas costas” em termos do ensino. Nas universidades americanas, por exemplo, há figura do “teaching assistant”, que geralmente são alunos de doutorado que auxiliam as atividades docentes, inclusive ministrando aulas. Recebem para isso uma bolsa que é capaz de cobrir todas as despesas com taxas acadêmicas, moradia, alimentação, lazer, etc. Esse problema tem sido reconhecido pela direção e a alternativa encontrada é o de contratar professores substitutos para aliviar a carga do professor efetivo. Isso pode ser uma solução, mas depende da disponibilidade de professores substitutos e da atratividade do cargo. Temos tido alguma dificuldade para achar professores substitutos dispostos a assumir essa função. Isso, provavelmente, porque a remuneração é baixa. Em nosso modo de ver, a idéia de fazer mais com menos e ainda com melhor qualidade é incongruente. Não há atalho para um ensino de qualidade. É necessário investir. Mesmo nas universidades onde existem grandes turmas, a relação professor/aluno é baixa, geralmente menos que 10.
Boletim- Como fazer esse projeto funcionar melhor?
Professores – Isso pode funcionar muito bem se você diminuir inicialmente o número de vagas, desta forma geraria concorrência entre os candidatos, resolvendo vários problemas simultâneos que seriam a queda na relação número de alunos por professor, melhor adequação à estrutura que temos disponível entre outras, e gradativamente, talvez em um prazo de 5 anos expandir as vagas para os 200 alunos, pois ai sim já teríamos quadro de professores e estrutura para comportar essa demanda.
Boletim- Qual a avaliação de vocês do REUNI?
Professores – As questões do REUNI não são muito claras. Para qualquer pessoa que você pergunta as respostas não são muito claras, até mesmo o pessoal da UFSC de Florianópolis que participou de todo o processo também não sabe responder essas questões. O REUNI tem algumas diretrizes, entre elas a relação de 18 alunos por professor. Então fica a pergunta, os departamentos que se comprometeram com o REUNI terão que cumprir todas as diretrizes ou vão ter que cumprir metas parciais? Como por exemplo, a engenharia mecânica assumiu fazer parte do REUNI, então ela vai ter que chegar à relação de 18 alunos por professor? Em quanto tempo? O que parece é que a gente vai contribuir para atingir as metas muito mais que os outros departamentos que aceitaram fazer parte do REUNI e nos parece que os recursos, principalmente humanos, não estão sendo distribuídos de forma justa. Ou seja, a maior carga fica com a gente, e os benefícios, distribuídos para todo mundo. Hoje nós estamos com uma relação entre 40 a 50 alunos por professor (não temos dados exatos, pois isto depende da evasão). A maior parte dos professores está com 220 alunos, tem alguns com 500 alunos e tem também um caso de um professor com mais de 600 alunos. Realmente estamos precisando muito das vagas. O professor Acires e o professor Lezana estão fazendo mágica para conseguir fazer tudo isso funcionar. Precisamos de mais apoio do governo federal.
Boletim – Vocês citaram um ponto que foi a má distribuição de recursos. Poderiam citar algum caso concreto?
Professores – Um caso que podemos citar foi a negativa no envio de bolsas PIBIC para o nosso centro, inclusive o cancelamento de uma já implementada. O motivo alegado é que o nosso centro não tem nenhum pesquisador do CNPq e esse tipo de recurso é disponibilizado proporcionalmente ao número de pesquisadores do CNPq que o centro tem. Achamos que como somos um centro em implementação precisamos de critérios diferenciados. Felizmente a reitoria já se manifestou a respeito e está estudando o caso.
Boletim- A contratação de professores substitutos tem ajudado nos problemas de implantação no que se refere a recursos humanos?
Professores – Sim, mas precisamos de soluções de longo prazo. Além disso, são poucos professores substitutos. Tem, ainda, o problema que os substitutos estão passando na seleção, mas não estão querendo assumir. Um dos motivos, a nosso ver, é carga muito pesada. Se um professor pega uma turma dessas, com 220 alunos, e faz três provas, isso dá 660 provas para corrigir, além disso, os alunos vão querer tirar dúvidas. Até é interessante citar um estudo (COBENGE 2011, Fabiano G. Wolf – Alexandre Mikowski – Luís Fernando Peres Calil) desenvolvido por alguns professores daqui para ver o impacto do número de alunos na carga de ensino. Segundo esse estudo, para um professor que assume 12h de aulas semanais com uma turma de 220 alunos, isso equivale a mais ou menos 29 horas semanais de dedicação ao ensino. Acabamos ficando numa situação exclusiva para o ensino. A outra é que o sistema que a Universidade disponibiliza (PAAD) não leva em conta o número de alunos. Estamos com 12 horas/aula com 220 alunos, enquanto que um professor do campus da Trindade com as mesmas 12 horas, não tem nem de longe os 220 alunos. Nesse sentido, tanto do ponto de vista de progressão funcional como do ponto de vista de condições para desenvolver uma carreira científica, estamos em uma situação muito desfavorável. Vale lembrar que a Universidade Federal de Uberlândia leva em conta o número de alunos na prograssão funcional e eles não trabalham com turmas grandes. Defendemos uma revisão do regimento da universidade que leve em conta essas diferenças para que não sejamos prejudicados ou desfavorecidos.
Boletim- Esse projeto pedagógico é bom?
Professores – É difícil. O aproveitamento não é igual. O nível de reprovação, até o momento, é muito alto. O que parece é que estão querendo fazer muito mais, com menos investimento.
Boletim- Esses problemas citados já foram levados ao conhecimento da direção do campus?
Professores – Eles estão lutando pelos nossos interesses, mas até agora não recebemos muitas notícias boas nesse sentido. Ou seja, até agora a situação só piorou. No começo do ano passado entraram dez professores, depois mais dez e esse ano apenas um. Acreditamos que a direção está fazendo de tudo possível para melhorar nossa situação, mas tem questões que fogem do escopo da própria direção. A outra questão é a dificuldade de realizar pesquisa, ensino e extensão de qualidade com a elevada carga de ensino, dentro e fora da sala de aula. No momento as atividades de pesquisa estão comprometidas. Não temos conhecimento de nenhum trabalho de pesquisa que tenha nascido aqui na UFSC-Campus Joinville. O que foi feito aqui até agora são conclusões de trabalhos que já estavam em desenvolvimento antes da nossa vinda. Quando esta fonte esgotar, cairemos num vácuo de produção. Estamos com um grupo muito bom, não podemos desperdiçar esse capital intelectual.
Boletim- Em relação aos técnico-administrativos, o número é suficiente?
Professores – Eles são muito eficientes, mas estão sobrecarregados, o número é insuficiente.
Boletim- E sobre a construção do novo campus as margens da BR-101. Como vocês estão analisando toda essa demora?
Professores – A preocupação de vários de nós é que ocuparemos o campus em condições mínimas de funcionamento e que a situação não vai ser muito diferente do que enfrentamos hoje. Quando você vê alguma coisa sendo construída dá certa motivação, mas, mesmo com todos os problemas judiciais com o terreno, ainda está muito lento. Agora que estão fazendo a terraplanagem.
Boletim- Como estão em relação aos laboratórios?
Professores – Foram alugados laboratórios fora do campus para algumas disciplinas isoladas.
“Estamos com uma população maior do que a estrutura pode suportar”, reconhece diretor do câmpus
O diretor geral do câmpus de Joinville, professors Acires Dias, reconhece alguns problemas, principalmente com a falta de estrutura física da unidade. Nessa entrevista ele fala sobre os planos da UFSC para um futuro próximo e sobre o projeto político pedagógico implantado no câmpus de Joinville.
Boletim – Como é a estrutura do campus da UFSC em Joinville?
Acires Dias – Na área administrativa, a estrutura é composta por diretor geral, diretor administrativo e diretor acadêmico. É uma estrutura muito enxuta e nós não temos departamentos, porque nosso projeto político pedagógico trabalha várias especialidades da engenharia para pensar a questão da mobilidade. São sete áreas da engenharia que abordam isso. Então, tínhamos que trabalhar de uma forma integrada. É um projeto muito grande e optamos que todos os professores trabalhem num único grupo, de forma que os projetos possam acontecer de maneira mais fluente.
Boletim – O câmpus está localizado numa sede provisória. Como está a obra de construção do câmpus próprio?
AD – Havíamos planejado ficar no câmpus da Univille, numa área alugada, até o final do ano passado, numa expectativa de termos nosso próprio câmpus, mas isso não ocorreu devido a vários problemas, desde ambientais até questões judiciais que ocorreram durante o processo, o que acabou prejudicando o início das obras. Hoje estamos com todas as questões judiciais resolvidas e trabalhando na terraplanagem e nossa meta é que o câmpus esteja pronto em março de 2013. Neste instante nós estamos com uma população maior do que a estrutura pode suportar. Estamos negociando o aluguel de outras áreas e já estamos com dois locais previstos em estudo.
Boletim – Quais seriam os pontos conceituais básicos que diferenciam o projeto do câmpus de Joinville do projeto dos demais centros da UFSC?
AD – Do ponto de vista administrativo, no câmpus da UFSC, toda atividade de representação é conduzida pelo reitor ou pelos pró-reitores. Nestas cidades a UFSC é representada pelos diretores e há uma demanda muito grande. Então, esse é um trabalho que um diretor de câmpus faz a mais que um diretor de Centro. Outra atividade que a direção de um câmpus exerce são os trabalhos de estruturação, como se fosse uma pequena universidade. O outro aspecto que nos diferencia é o fato de não termos departamentos e, por isso, temos grande mobilidade de trabalhar com os professores de diferentes especialidades e eu posso trabalhar com transversalidade. Um outro aspecto que nos diferencia é a questão conceitual no ponto de vista pedagógico. No nosso campus separamos todos os conteúdos programáticos de cada disciplina numa parte teórica e numa parte prática. O que significa isso? O professor vai ensinar matrizes. A teoria de matrizes é dada a todos os alunos numa mesma sala. Os professores substitutos não trabalham com a parte teórica, ou seja, a teoria é dada por professores permanentes e a prática por professores substitutos.
Boletim – Porque essa diferença?
AD –– Essa diferença é que o professor substituto é transitório e nos queremos que nossos alunos aprendam realmente a teoria. Porque a gente dividiu isso? Porque mesmo sendo a engenharia um conteúdo razoavelmente permanente, ele tem sofrido modificações muito grandes ao longo do tempo, então a gente quer que a teoria seja elemento principal, tanto do ponto de visto do professor, quanto no ponto de vista do aluno. A gente acha que isso é uma inovação em termos de Brasil, em outros países eles já fazem isso. Mas para isso precisamos de espaço. Nossos projetistas estão planejando os prédios dentro desse projeto pedagógico
Boletim – Está em discussão na UFSC uma reestruturação do regimento da universidade. Com a vinda dos novos câmpus, surgiram novas realidades e demandas distintas às atuais vividas pela universidade como a conhecemos. Gostaríamos de saber um pouco mais sobre o regimento do câmpus de Joinville, que sabemos estar em processo de construção e discussão. Existiriam incompatibilidades com o Regimento da UFSC ?
AD – O regimento do câmpus de Joinville foi desenvolvido para subsidiar o projeto político pedagógico que está sendo implantado, que tem aqueles três vieses que nós não temos no câmpus da Trindade, no ponto de vista da estrutura administrativa, da estrutura de ensino e do ponto de vista pedagógico. Nos não temos pré-requisitos nas disciplinas, a aprovação é por ciclo. Porque nosso desejo é formar profissionais projetistas, que pensem no futuro. De alguma maneira esse regimento vai impactar com o regimento geral da UFSC. Nós até tivemos por parte do presidente da Apufsc uma manifestação e uma preocupação sobre o nosso regimento e nos foi recomendado um especialista da área para fazer uma avaliação. Uma vez que esse profissional entendeu nosso regimento, achou isso maravilhoso, deu algumas contribuições, mas achou que estava bem estruturado e agente ficou muito feliz, porque foi a primeira vez que ele foi avaliado por alguém de fora.
Boletim – O senhor defende a implantação desse projeto em toda a UFSC?
AD – Tem coisas que sim e tem coisas que não. O modelo de gestão é bem interessante. Do ponto de vista do ensino, nosso modelo é muito legal para a cabeça do aluno novo. Diferencia as questões teóricas das questões práticas. Acho que isso vai trazer atualização e flexibilidade, prepara o aluno para a vida.