A atual dificuldade que a Apufsc vem encontrando para reunir quórum nas reuniões de seu Conselho de Representantes e nas Assembleias Gerais Ordinárias, órgãos que constituem em seu Estatuto as formas habituais de deliberação, coloca de maneira imperiosa necessidade de reflexão sobre o momento vivido pelo movimento docente.
A alegação mais comumente ouvida dos colegas que não comparecem às reuniões deliberativas é a de que “não tem tempo”. Curioso momento esse que atravessamos, em que o ato de trabalhar produtivamente vem se tornando aparentemente um obstáculo intransponível à reflexão de caráter coletivo sobre a natureza, as condições e o alcance desse mesmo trabalho. Pois os professores vêm sendo instados pelo Ministério da Educação e pelos órgãos financiadores da pesquisa a serem simultaneamente instrutores, supervisores de laboratórios, administradores, pareceristas, palestrantes, redatores de textos acadêmicos, editores de revistas, executores de projetos de extensão, membros de n comissões, colegiados e bancas, orientadores de iniciação científica, TCCs, mestrado e doutorado. E – se sobrar algum tempo – é indispensável empregá-lo registrando isso tudo em seus currículos Lattes e reunindo documentos para assegurarem a ascensão funcional, sob pena de ficarem parados no tempo apesar de correrem tanto, tal qual a Alice de Lewis Carrol no surrealista País das Maravilhas.
Mas creio ser o caso de se registrar que, a despeito da atual tendência no emprego de nosso tempo de trabalho revestir-se da aparência externa de racionalidade – já que nenhum segundo estaria sendo “perdido” em “divagações políticas” – o estado atual da prática sindical levada a efeito pela Apufsc em moldes efetivamente democráticos pressupõe e prescreve a participação ativa de todos os associados na construção dos rumos do movimento docente.
Quero ponderar aqui que a aparente calmaria a que as negociações salariais com o Governo vêm se restringindo deve-se, por um lado, a um indigesto alinhamento de Andes e Proifes com o governo petista, mas também por outro lado à percepção equivocada de parte dos professores de uma relativa estabilidade de nossa condição econômica.
Tal visão não se sustenta diante de dois fatos acachapantes. O primeiro é a oferta de um reajuste de 4% para cobrir uma inflação estimada, até o início desse reajuste, da ordem de 12%d+ o segundo, a tentativa de se estabelecer uma nova classe funcional, a de Professor Sênior, cuja função precípua consiste em transformar os aposentados em cidadãos de terceira classe, após terem sido feitos cidadãos de segunda pela criação da classe de Associado. De modo que os colegas que vêm achando muito atraente essa cenoura que balança na ponta da vara, e acalentam a certeza de alcançá-la graças aos seus brilhantes índices de produtividade acadêmica, esquecem-se de que um dos princípios da vida em comunidade, à qual devem suas benesses atuais e futuras, é o da solidariedade. Parecem não levar em conta também que, por mais longa e profícua que sua carreira acadêmica possa lhes parecer, um dia também irão por fim se aposentar. E até lá, o arsenal de truques e apelos miríficos de que é capaz de lançar mão nossa “república de sindicalistas” é vasto e sorrateiro.
Não podemos deixar de notar que o mesmo grupo de ativistas que se mostrou capaz de conduzir as greves históricas que contribuíram para mudar o modo de se fazer política no país hoje ocupam lugares estratégicos no poder central, além de aparelharem diversos sindicatos. Construíram “preciosa” técnica não só de como mobilizar categorias profissionais, mas também mais recentemente de como desmobilizá-las.
É diante do desolador quadro de desmobilização dos professores federais que ouso dizer que há momentos em que o trabalho cotidiano obstinado, se é produtivo em termos operacionais, pode também se revelar alienante em termos políticos, quando se abdica da reflexão sobre as condições em que é exercido.
Mauro Eduardo Pommer
Professor do departamento de artes e libras e diretor de promoções sociais, culturais e científicas da Apufsc