A solução encontrada para os problemas de “mobilidade” de Floripa foi muito rápida para ser acreditável. Em primeiro lugar, com este nome, mobilidade, nunca resolveremos o problema. A semântica se faz necessária e a palavra correta é acessibilidade. Resolvendo os problemas urbanos com esta palavra temos a possibilidade de universalizar as soluções da cidade sem nos atrelarmos a soluções “grandiosas” como os viadutos de Floripa, todos com erros de projeto, mas que não estão ajudando muito, e sim jogando os problemas mais para longe. A acessibilidade prioriza uma escala em que privilegia uma ordem a começar pela pessoa (caminhabilidade), os veículos individuais leves (bicicletas comuns e eletrificadas), transporte público, deixando o veículo individual por último. Para a inteligência comum, a notícia deste projeto da quarta ponte parece soar bem, mas por trás disto está um problema de difícil, mas não impossível solução. Os problemas dos congestionamentos de tráfego são oriundos de um comportamento da sociedade que levam a um modelo de cidade excludente.
A primeira idéia que passa para a quarta ponte é que se está preocupando com o automóvel. Existe uma cidade para os ditos ricos e outra para os demais e este processo começou quando a cidade começou a crescer e a ter terrenos valorizados ao mesmo tempo em que se deixou a questão habitacional para os menos favorecidos fora da agenda política. Este processo chega agora em níveis insuportáveis na questão do tráfego e na questão das catástrofes urbanas. Ambos têm a mesma causa tratada péssimamente pela política oficial. O maior exemplo da idéia de quarta, quinta e assim por diante de pontes, é que o governo quer dar vazão à política de subsídio do carro, e continuar se omitindo de subsídios (que não seja com nosso dinheiro) de insumos tecnológicos e fiscais ao transporte coletivo.
Por outro lado, finalmente a academia está se acordando do sonho letárgico do urbanismo segregador super tecnicista e de baixa densidade das cidades homogêneas. Com baixas densidades o custo da terra fica proibitivo fazendo com que os menos abastados tenham que recorrer ao informalismo fundiário dentro das cidades, as ditas “comunidades”, e para longe das oportunidades da cidade pólo, atraídos pelos apelos demoníacos da “mobilidade”. Este modelo homogêneo e de baixa densidade, mal copiado do suburban sprawl (subúrbio espraiado ou espalhado) norte-americano prevê, ainda por cima, um desenho urbano baseado no tráfego hierarquizado. Ali temos as vias de tráfego que, desde o ponto mais distante vão se encontrando em terciárias, secundárias até nas principais. Este modelo de escoamento detonou o centro da cidade, onde temos a av. Mauro Ramos como único escoamento entre o triângulo central e o Morro do Antão (vulgarmente conhecido como Morro da Cruz). Também detonou a Carvoeira, Pantanal, Córrego Grande, Itacorobi e Lagoad+ sem falar no Sul da lha, vivendo estelionatos urbanos a cada nova promessa de mobilidade da SC 405. Nestes exemplos, caso aconteça um acidente numa destas vias, ou surgir uma necessidade de obra de vulto nos logradouros principais (como já aconteceu na Av. Mauro Ramos), não existe alternativa de passagem e acontece um “enfartamento”. Agora o enfartamento já ocorre diariamente sem que haja providências oficiais para propor uma revascularização das cercanias. Apenas, no caso do acesso à Lagoa, a inexplicável moratória de crescimento do Itacorubi no sentido de barrar as obras oficialmente permitidas pelo plano diretord+ enquanto isso, nenhuma medida para conter a clandestinidade (cerca de 70% das construções isoladas), muito pelo contrário, tentativa de decreto para “regularizar” os fora-da-lei. Nestes casos, a falta de ação das concessionárias (CASAN que não provê saneamento e nos deixa em penúltimo lugar neste item no Brasil! CELESC que está em vias de perder a concessão, por incompetência—vide apagão de 56 horasd+ o DEINFRA que não amplia a rede viária local, e a própria prefeitura que não fiscaliza os clandestinos) é que deveriam ser alvo de medidas desta magnitude. O governo municipal neste caso voltou à carga sobre aqueles que trabalham dentro de uma lei (certa ou errada, mas lei) e continuou apadrinhando a ilegalidade.
Os loteamentos clandestinos que geram vielas de três metros (quando muito) são sempre legalizados pelas respectivas Câmaras Municipais sem a devida atenção nestes detalhes urbanísticos (junto com calçadas mínimas, reserva técnica de área para equipamentos comunitários—creches, escolas, por exemplo) tanto em Florianópolis, quanto nos municípios vizinhos também geram problemas de enfartamento de tráfego. Os loteadores oficiais sofrem uma perseguição nos órgãos públicos, especialmente os ambientais, enquanto que os loteadores clandestinos, por não dar “holofotes” passam impunes dos rigores da lei. A todos estes problemas somam-se o item mais grave que é a absoluta concentração de investimentos em utilidades urbanas na Ilha: mais de 95% dos recursos estatais são a ela destinados. Temos na ilha, a maior concentração hospitalar e todas as repartições federais, por exemplo, a própria UFSC, a UDESC, Receita Federal, Ministérios Públicos, e assim vai. Estas instituições atraem, alem de seus funcionários menos aquinhoados, um considerável público, até mesmo de outras cidades, tendo como exemplo a nefasta prática de medicina da ambulancioterapia.
A decisão da quarta ponte pautou-se pela falta de diagnóstico e aplicação de um remédio caríssimo a ser pago por nós, mas que efetivamente não vai funcionar em médio e longo prazo. Está tratando os sintomas e não as causasd+ vão dar uma anestesia cujos efeitos serão breves e o paciente vai acordar pior do que estava. Temos exemplos como Nova York e Paris de muitas pontes já construídas há bastante tempo e nenhuma ponte nova é proposta. Nestes casos, os problemas de circulação de pessoas, ou de acessibilidade, são resolvidos por transporte público. Aí aparece outra gravíssima deficiência nossa que é o transporte coletivo ultrapassado e carente de reformulação completa, mas não administrar medicação, de novo, antes de diagnósticos, como o tal BRT, que seria outra “solução” apressada e sem embasamento para nossa realidade. Daí surge outro entrave de difícil solução que é a ausência de conversa entre os entes municipais da grande Florianópolis. Como propor um projeto de transporte coletivo num ambiente gerenciado por diferentes entidades? Isto é difícil sair, pois existe um entrave político estabelecido pela constituição onde o governo do estado tem 50% do poder de decisão. Então os prefeitos, apesar da aparente maioria não se sentirão à vontade para dividir ou ter suas decisões contrabalançadas pela ação do “maior acionista” da Região Metropolitana. O próprio governo estadual, com seus órgãos de planejamento (não ouvidos!) já informam que na via Expressa (BR 282) o tráfego atual de 178 mil veículos/dia, com esta quarta ponte vai baixar para 106 mil, mas em 2020 voltará aos níveis atuais, ou seja, tudo vai parar de novo. Pode-se dizer que o despertar do paciente “enfartado” será mais rápido que dois mandatos eletivos. Isto se a tal quarta ponte (de safena) ficar pronta dentro das expectativas oficiaisd+ para alertar sobre prazos (a BR101 é hors concours na temática) estão levando mais de trinta anos para consertar a Hercílio Luz, que, por sua vez, levou seis anos há quase cem anos atrás, com os parcos recursos tecnológicos de então!.
Portanto, além da questão da piora dos cronogramas de obra, pode-se afirmar com toda certeza que sem tratamento urbanístico via pesquisa subvencionando o planejamento e gestão, haveremos de prever uma nova (a quinta), neste caso será na baía sul muito em breve, onde culminaremos com alguém propondo aterrar de vez o estreito, pois sai mais barato. Portanto, não há motivos de comemorar e sim lamentar a indigência que se chegou em todas as esferas da administração pública.
Roberto de Oliveira
Professor aposentado do CTC