Apesar das trapalhadas administrativas cometidas pelo Ministério da Educação (MEC) nas duas últimas versões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – com o vazamento de questões, em 2009, e erros de impressão, em 2010 -, o Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) decidiu abolir o vestibular próprio, a partir deste ano, e adotar integralmente o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), baseado nas notas obtidas pelos estudantes no Enem. A UFRJ oferece mais de 9 mil vagas em seus vestibulares. No ano passado, 40% dos seus alunos ingressaram na universidade somente com base nas notas do Enem.
Na mesma sessão, que durou cerca de três horas, o Conselho Universitário rejeitou por 17 votos contra 12 a adoção do sistema de cotas raciais ou étnicas, optando por expandir o sistema já vigente de cotas sociais, que beneficiam alunos pobres e oriundos da rede pública de ensino básico. A partir de 2011, 30% das vagas serão preenchidas por egressos de escolas públicas – com a condição de que a renda per capita familiar dos candidatos selecionados seja de um salário mínimo (R$ 545). Em 2010, as cotas sociais preencheram 20% das vagas oferecidas.
Como a Universidade Federal do Rio de Janeiro é uma das mais prestigiadas universidades públicas do País, essa decisão certamente estimulará outras instituições de ensino superior mantidas pela União e pelos Estados a seguir o mesmo caminho. Na rede federal, constituída por 59 universidades, a UFRJ não é a primeira a adotar o Enem como critério único para preenchimento das vagas – mas é a mais antiga e a mais importante.
A consolidação do sistema nacional de seleção unificada deverá valorizar ainda mais as avaliações do Enem. Segundo os especialistas, isso aponta um caminho sem volta para o fim dos tradicionais exames vestibulares – que medem apenas a capacidade dos estudantes de memorizar conceitos e fórmulas. Por tabela, o fim do velho vestibular também pode acarretar a morte da “indústria de cursinhos”, que atrai todos os anos uma legião de vestibulandos.
Apesar dos graves problemas que a inépcia do MEC causa às escolas, às universidades e aos estudantes, nas duas últimas edições do Enem, as provas desse sistema de avaliação – criado há 13 anos pelo então ministro Paulo Renato Souza, recém-falecido – valorizam o princípio do mérito. Por serem discursivas, baseadas na interpretação histórica e conjuntural de textos longos e voltadas para o raciocínio lógico, o sucesso nessas provas depende de muita leitura, da capacidade analítica e das habilidades e competências dos estudantes.
Desde o seu início, o Enem é muito respeitado pelos alunos do ensino médio. Entre 1998 e 2008, o teste continha 63 questões e era realizado num único dia. Com a criação do Sisu, a partir de 2009 o Enem passou a ter quatro provas objetivas, com 45 questões de múltipla escolha cada uma, além de uma redação, sendo realizado em dois dias. No primeiro Enem, em 1998, participaram cerca de 157 mil estudantes – no ano passado, o número foi 30 vezes maior, chegando a 4,6 milhões de inscritos. Para o exame deste ano, que será realizado nos dias 22 e 23 de outubro, inscreveram-se 6.221. 697 estudantes.
A opção da Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo sistema de seleção unificada do Ministério da Educação – em detrimento do vestibular próprio – e pelo sistema de cotas sociais – em detrimento do sistema de cotas raciais ou étnicas – foi bem recebida pela comunidade acadêmica e por organizações não governamentais que mantêm cursos preparatórios comunitários para jovens carentes. Eles alegam que essas decisões da UFRJ democratizam o acesso aos seus cursos de graduação sem comprometer o princípio do mérito.
Evidentemente, as mudanças promovidas na maior e mais importante universidade federal somente darão certo se os burocratas do MEC não voltarem a cometer trapalhadas administrativas que comprometam a credibilidade do Enem, como ocorreu em 2009 e 2010.