Química causa arrepio em muita gente, de vestibulandos ansiosos a ativistas ambientais. Para desconstruir a imagem de vilã, a ONU escolheu 2011 como o Ano Internacional da Química (AIQ). Pesquisadores têm pegado carona no evento para mostrar o quanto a química está na base de tudo, mesmo dos processos mais naturais, como a fotossíntese. E para falar da necessidade de ter novos químicos nos laboratórios e nas empresas – a indústria química é peça-chave de qualquer economia desenvolvida.
“Se a química tem essa pecha de nociva, é por desconhecimento de suas aplicações”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), César Zucco. A situação também preocupa químicos que estão no mercado. “Há uma aversão dos jovens pela química, o que prejudica o setor”, diz o presidente do Conselho Regional de Química da 4.ª Região, Manlio de Augustinis.
Emprego não falta. Estudo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) mostra que o setor pode abrir 200 mil vagas para químicos e engenheiros químicos até 2020, caso se atinja o objetivo de zerar o déficit da balança comercial. A previsão é otimista: depende do investimento de R$ 270 bilhões na próxima década. Segundo o presidente da Abiquim, Fernando Figueiredo, a indústria paga bem e, por isso, exige profissionais altamente qualificados.
As empresas também estão atrás de recém-formados que se sintam à vontade no escritório, diz Joana Rudiger, consultora de treinamento e desenvolvimento na gerência de Gestão de Talentos da Basf. “Hoje o mercado cobra algo que por muito tempo não se esperou da área técnica, o empreendedorismo.” Para melhorar a relação entre o que a companhia pede e o que as universidades oferecem, a Basf realiza palestras em escolas como o Instituto de Química (IQ) da USP. “Caiu o preconceito dos estudantes quanto à possibilidade de ter uma carreira de pesquisador nas empresas.”
Kesley Oliveira, de 38 anos, só começou a pensar em fazer pesquisa no setor privado durante o doutorado em Química, na Unicamp. Ela hoje é funcionária do Cristália, laboratório farmacêutico nacional que mais investe em pesquisa. Especialista em cristalografia de proteínas, Kelly se considera no “melhor dos mundos”. “Trabalho para que a molécula vire medicamento. É um sonho conseguir resolver o problema de saúde de alguém.”
O Cristália passou a contratar doutores há 11 anos. Desde então, já depositou 126 pedidos de patentes, dos quais 28 foram concedidos. “Buscamos profissionais com pós-graduação porque eles têm habilidade de aprender e independência para solucionar problemas”, diz Antonio Carlos Teixeira, gerente de Operações da área farmoquímica da empresa.
O setor de produtos farmacêuticos é o segundo em faturamento na indústria química do País, seguido do de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. Na opinião da química Mara Augusto, de 49, gerente sênior de assuntos regulatórios para a América Latina da Avon, a demanda dos consumidores puxa o crescimento do mercado. “Eles querem diversidade. Só a Avon desenvolve mais de 400 produtos por ano.”
Na empresa há 30 anos, Mara já deu assistência ao setor de vendas, foi técnica de laboratório, trabalhou com controle de qualidade nas linhas de envase até chegar ao cargo atual. “Hoje sou especialista em legislações, mas a química foi meu pilar de conhecimento. Nunca me arrependi de escolher esta carreira”, diz.
Pré-sal. Em primeiro lugar no ranking de faturamento da indústria química no Brasil vem o setor petroquímico, que utiliza derivados de petróleo ou gás natural como matérias-primas básicas para uma enorme variedade de produtos, como o plástico. E essa posição de liderança deve ser mantida por anos a fio, com a exploração do petróleo do pré-sal.
A petroquímica é também a área que mais emprega – de técnicos a doutores. Engenheira química com mestrado pela Poli-USP, Cristiane Tolotti, de 35, trabalha na Braskem, maior empresa do setor no País. No polo de Capuava, em Mauá, Grande São Paulo, ela otimiza processos: faz cálculos para produzir mais polímeros com a capacidade instalada da planta. “A química ensina a olhar para os problemas sob outro ângulo.”
Em um dos laboratórios da Braskem está Marco Mendes, de 45, técnico, bacharel e pós-graduado em Química. Segundo ele, a informatização dos processos demanda profissionais que saibam do básico de Excel até linguagem de programação. “A produção é toda automatizada e depende dos resultados da pesquisa feita no laboratório e da interpretação do químico dos dados fornecidos pelas máquinas.”
Analisar informações é fundamental para corrigir eventuais problemas na linha de produção, conta o químico Adelino José dos Santos, de 46. Técnico de processos da Bridgestone em Capuava, ele segue os padrões de fabricação de pneus da matriz, o que não implica que seu trabalho seja enfadonho. “O tempo todo é necessário fazer ajustes nas fórmulas, porque a composição das substâncias não é igual em todos os países e, portanto, reagem de formas diversas”, diz. “É preciso ser criativo.”
Há quem prefira exercer a criatividade nos laboratórios das universidades. É o caso do doutorando do IQ-USP Filipe da Silva Lima, de apenas 25 anos. Ele pesquisa surfactantes, como detergentes, desde a graduação. “Adoro o que faço”, diz o aluno, que viaja em setembro para um “sanduíche” (estágio) na Alemanha, onde concluirá a parte teórica de sua tese. Filipe já havia passado seis meses em Portugal, e voltou com boas impressões. “Estamos muito mais bem servidos em termos de estrutura para pesquisa. Foi bom ter saído para valorizar o que temos aqui.”
Histórias como a de Filipe são comuns na USP, diz o chefe do Departamento de Química Fundamental do IQ, Luiz Henrique Catalani. “O programa de iniciação científica ficou muito forte esta década, transformando a vida dos alunos”, diz. “E, se quiserem, eles podem continuar os estudos em um dos melhores cursos de pós do País.”
A pesquisa brasileira tem alcançado relevância mundial em áreas como a de energia, biocombustíveis, biotecnologia química, nanotecnologia e farmoquímica, entre outras. O número de projetos financiados também cresceu, dizem os cientistas, mas há gargalos: dependemos de insumos importados e estamos isolados da produção de centros como Estados Unidos, Europa e Ásia.
Paraibana, a professora da Unesp Vanderlan Bolzani alerta para a concentração dos laboratórios no Sul e Sudeste. “Falta desenvolvimento homogêneo. É preciso fixar pessoas em locais onde a ciência é incipiente, como o Norte e o Nordeste”, diz. “O grande desafio de explorar a biodiversidade da Amazônia é que não há gente lá.”
Para o professor da Unicamp Fernando Galembeck, há outro problema: o processo de desindustrialização, que afeta tanto a pesquisa em química quanto a produção das empresas aqui instaladas. “Cada vez que um fabricante de brinquedos compra algo pronto da China em vez de produzir aqui, ele deixa de gerar emprego, de comprar matérias-primas, de inovar”, diz. “Se a indústria química cresce, a economia de um país vai junto.”