Ainda que a legislação impeça um professor em dedicação exclusiva de receber honorários além do seu salário à exceção de alguns casos (participação em órgãos de deliberação e comissões julgadoras, direitos autorais e atividades esporádicas), o tema é controverso e tem suscitado conflitos envolvendo diversos orgãos governamentais (MPOG, SRF, INSS, Tribunal de Contas) e entidades representativas de classes (Andifes, Andes, Proifes).
O fato é que, enquanto a briga rola (e as legislações mudam), os professores em DE com uma atividade mais voltada aos interesses do mercado contam com ganhos complementares. Traduza-se aqui por “de interesse do mercado” as atividades de interesse de nosso setor produtivo e de instituições de ensino, em geral, privadas, que ainda não contam com um corpo docente qualificado e que recorrem às universidades públicas para os seus cursos.
A luta da Andes contra as Fundações vem daí. Na concepção dela, retirando estes ganhos, o professor com essas atividades complementares seria compelido a buscar outra profissão. Para garantir a permanência do mesmo, o governo seria forçado a aumentar os salários (de todos os professores).
Por outro lado, o governo federal tem feito “vistas grossas” à esta situação. E isto por vários motivos, entre outros:
-o relacionamento universidade-empresa tem sido benéfico para o país, não só pela atribuição de valor aos nossos produtos industriais, mas, sobretudo, pelo processo de indução da atividade universitária na direção dos interesses da sociedade como um todo (e do Estado): aumento do PIB, maior oferta de empregos,…etcd+
-o governo federal evita com isso o impacto direto em sua folha de pagamentos que seria causado por um aumento globalizado de salários para todos os nossos docentes em DE.
Um outro dado importante que confirma este diagnóstico é a expansão e a transformação dos antigos Centros Federais de Ensino Técnico (CEFET) em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), com atividades na formação de graduação e pós-graduação. As finalidades, por exemplo, do IF-SC são: “formar e qualificar profissionais no âmbito da educação profissional e tecnológica, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, para os diversos setores da economia, bem como realizar pesquisa aplicada e promover o desenvolvimento tecnológico de novos processos, produtos e serviços, em estreita articulação com os setores produtivos e a sociedade”.
Isto indica uma tendência do Governo Federal em promover a expansão de universidades tecnológicas, imitando parcialmente o modelo alemão e francês e, procurando, com isso, estimular a pesquisa tecnológica nos IF”s pela injeção direta de recursos do Setor Produtivo, em instituições que estariam, em princípio, mais livres e mais dispostas para isso, pois sem os vínculos com a formação acadêmica clássica nas universidades, mais libertas do espírito corporativista que ali reina e com outros objetivos bastante distintos dos das universidades.
Deste modo, nos IF”s não há qualquer compromisso com a produção do conhecimento, apenas com aplicação do conhecimento ao desenvolvimento tecnológico de novos processos, produtos e serviços. Em contraste, a missão, por exemplo, da Universidade Federal de Santa Catarina é: “produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, científico, artístico e tecnológico “.
Não há como evitar que os caminhos dos Institutos Federais e das Universidades se cruzem ali adiante. Na França, os grandes desenvolvimentos em ciências básicas (Física, Química e Matemática) se deram nas Grandes Écoles, originalmente concebidas para a formação de artesões.
Da mesma forma, não é possível prescindir do processo de produção do conhecimento científico em um país que busca o seu desenvolvimento tecnológico, humano e social e a sua autonomia política.
E o grande problema presente que precisamos resolver é a feudalização de nossas universidades, transformadas que estão em conjuntos de feudos de “protegidos” pelo mercado, convivendo com “grotões de pobreza”.
A solução passa pela autonomia universitária e pela institucionalização de nossas relações com o setor produtivo, ainda que este último seja um caminho perigoso, pois, no Brasil, “institucionalizar” confunde-se com “burocratizar”.
O que não podemos é deixar de estimular e premiar o mérito acadêmico em uma universidade, considerando os seus objetivos fins.
E esta não é uma questão de mercado (ainda que tenha uma grande influência sobre ele).
Paulo C. Philippi
Professor do Departamento de Engenharia Mecânica