O Ministério da Educação (MEC) repassou R$17,1 bilhões a governos estaduais e municipais desde a criação do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), em 2007. Dinheiro que deveria ajudar os estados mais pobres, onde a arrecadação é insuficiente para garantir o mínimo de investimento no ensino público. Porém, ninguém no governo assume a responsabilidade do controle direto de tamanho volume de recursos. E a falta de fiscalização dá margem a inúmeras irregularidades, que vão desde licitações fraudulentas e apresentação de notas frias até o desvio de dinheiro que deveria pagar os salários dos professores.
Em 2011, serão mais R$7,8 bilhões. Sem que a lei designe um órgão específico para acompanhar o uso das verbas federais do Fundeb, o controle fica a cargo de conselhos locais, que funcionam precariamente e sofrem todo tipo de pressão política.
O vazio de fiscalização é criticado pelo Ministério Público e pela Controladoria-Geral da União (CGU), que correm atrás do leite derramado. O pouco que vem à tona é revelado por denúncias ou sorteio: o programa de fiscalização da CGU, que seleciona municípios aleatoriamente, mostra que, entre 2007 e 2008, 41% das prefeituras investigadas tinham licitações fraudulentas e 58% gastavam dinheiro do Fundeb de maneira indevida.
Essa pequena amostragem revela casos emblemáticos do assalto à educação. Em Bequimão (MA), a CGU constatou que a prefeitura se especializou em fraudar folhas de pagamento de professores que nunca viram a cor do dinheiro. A suspeita é que tenham sumido R$2,6 milhões de abonos e gratificações para educadores. Documentos falsos foram usados para justificar saques de R$401.545,90 na conta do Fundeb. No exemplo mais extremo, um grupo de professores ainda espera pelo salário de dezembro de 2008, em desvio que somaria R$59.064,67.
De 25 irregularidades encontradas pela CGU no uso do dinheiro da educação em Cachoeira do Piriá (PA), seis envolvem diretamente o Fundeb. A prefeitura não comprovou a aplicação de R$7,6 milhões do fundo, entre 2009 e 2010. E alegou que os comprovantes dos gastos teriam sido consumidos por um incêndio.
Dos nove estados que recebem complementação federal via Fundeb, sete estão no Nordeste – os outros são Pará e Amazonas. À frente do Fórum de Combate à Corrupção em Pernambuco, o procurador regional da República Fábio George, da 5ª Região, diz que a fiscalização “praticamente inexiste”:
– O Fundeb é um dos programas mais fraudados na região Nordeste.
Em Arapiraca (AL), o procurador da República José Godoy participou este ano das investigações conjuntas do Ministério Público com a Polícia Federal e a CGU que detectaram o uso de dinheiro da merenda escolar até mesmo para a compra de uísque, uma fraude que pode ter desviado R$8 milhões.
Godoy fiscaliza o uso do dinheiro da educação em 47 cidades alagoanas. Segundo ele, levantamento feito em 2009 apontou que 14 de 21 ações de improbidade administrativa versavam sobre desvio de verbas da educação. Entre dez ações penais por crimes de responsabilidade contra ex-prefeitos, seis têm relação com o ensino. Até hoje, só uma foi concluída, com condenação.
Para Godoy, o número de processos só é tão alto porque falta controle, em especial dos conselhos locais:
— Temos diversas denúncias de conselhos que não funcionam. O principal motivo é a nomeação de pessoas ligadas ao Executivo municipal para que não fiscalizem. Vários conselheiros dizem: “Nem sei o que faço no conselho”.
Desvios já ocorriam no antigo Fundef
A complementação federal ao Fundeb corresponde a 10% do total de recursos aplicados por estados e municípios. Embora a preocupação da CGU – órgão da Presidência da República – seja o destino do dinheiro federal, a falta de mecanismos de controle põe em risco os demais 90%, que saem dos cofres estaduais e municipais.
Membro do Conselho Nacional de Educação, o sociólogo Cesar Callegari diz que o Fundeb foi um avanço importante. Ele admite, contudo, que os conselhos locais falham na sua missão de fiscalizar. Integrante também do Conselho Nacional de Controle e Acompanhamento do Fundeb, ele defende que os conselheiros municipais sejam melhor capacitados. E que os dados financeiros de cada município ganhem mais transparência, com divulgação na internet.
– Muitos desses conselheiros são indicados por pessoas de confiança do prefeito, ou às vezes nem é isso: são representantes de pais ou professores que não tiveram formação específica que os capacite a fazer uma auditoria de contas – diz Callegari. – A prática de desvios de recursos acompanha a história da educação brasileira.
O buraco na fiscalização não é novidade. Boa parte das ações propostas recentemente pelo Ministério Público Federal ainda envolve desvios no antigo Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental), o antecessor do Fundeb. O procurador Fábio George conta que a falta de controle foi uma das maiores preocupações na criação do Fundeb, que aumentou em dez vezes o valor das transferências federais.
– As irregularidades envolvendo o Fundeb são enormes. E isso já se anunciava. Implantou-se o Fundeb sem que houvesse reforço da fiscalização – diz Fábio George.
Reportagem publicada no dia 11 de abril de 2011