Dois levantamentos finalizados nas últimas semanas pelas consultorias Data Popular e Kantar Worldpanel revelam dados inéditos sobre o fortalecimento da nova classe média brasileira. As informações vão além da mensuração do já evidente poder econômico desse grupo. Ao cruzar os estudos, é possível verificar o volume de gastos da classe C por região geográfica. Fica claro que parte do dinheiro que migrou nesta década para a região Nordeste, onde essa classe média foi às compras, já se espalha para o Norte e o Centro-Oeste, com base em informações das últimas Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE.
De acordo com relatório do Data Popular intitulado “Diferenças e semelhanças nas regiões brasileiras”, nas categorias de bebidas e alimentação fora do lar e em casa, os gastos somados no Nordeste, Centro-Oeste e Norte cresceram 525,6% em oito anos, entre 2002 e 2010, atingindo R$ 64,7 bilhões no ano passado. No Sudeste, a velocidade de expansão foi de 315,4%.
Numa análise mais detalhada da divisão das classes sociais nos mais de 5 mil municípios brasileiros, a pequena União do Sul (MT), localizada no meio do Brasil, registra hoje a maior fatia da classe C na população total – 56,3% dos 3,7 mil habitantes estão nesse grupo. É um percentual superior à média nacional – no Brasil, 50% da população pertence à classe C. “Aqui não tem desemprego”, diz Enio Alves, secretário de governo de União do Sul. “Temos nove indústrias moveleiras e desde 2001 entramos mais pesado no agronegócio, com maior produção de arroz e soja”.
Entre as capitais, Florianópolis (SC) e Palmas (TO) empatam entre aquelas com mais brasileiros pertencentes à classe média emergente — 48% do total. “Está acontecendo uma reorganização dessa nova classe pelo país”, conta Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular. “Pequenas cidades em desenvolvimento se beneficiaram dessa nova fase, ancorada nos ganhos da agricultura e na chegada de novas fábricas nessas regiões”.
Esses novos investimentos ganharam corpo em 2010 e outros foram anunciados este ano. Natura, Hypermarcas, Unilever e Procter Eampd+ Gamble apresentaram ou concluíram, nos últimos seis meses, projetos em que há desmebramento da produção ou do sistema de distribuição pelo Brasil. O medo de perder vendas por não estar no lugar certo na hora certa acelerou a movimentação. “Ainda há muito espaço para as marcas se estabelecerem”, diz Christine Pereira, diretora da Kantar Worldpanel. “Como o consumo de muitas categorias ainda não se consolidou nessa nova classe formada fora do eixo Sul-Sudeste, ainda há o que fazer “.
Na região Norte, os investimentos fabris crescem aceleradamente. Em 2010 foram aprovados 255 projetos industriais e de serviços, no valor de US$ 4,4 bilhões – mais que o dobro do ano anterior. E não se tratam só de empresas de eletroeletrônicos, o forte na região. Foram para Manaus fabricantes de brinquedos, óculos, relógios e acessórios para carros.
Entre os grandes grupos, a Hypermarcas está reorganizando a sua área de logística e fortaleceu a operação no Centro-Oeste. Ela acaba de concluir a construção de um centro de distribuição em Anápolis (GO), com desembolsos de R$ 52 milhões, para a área de medicamentos sem prescrição. Em paralelo, aplicou R$ 59 milhões na ampliação da fábrica da Neo Química Genéricos na cidade goiana.
Maior empresa brasileira de vendas diretas, a Natura anunciou semanas atrás a entrada em operação de dois novos Centros de Distribuição, em Uberlândia (MG) e em Castanhal (PA). Ainda foi dobrada a capacidade da unidade de Canoas (RS). A empresa entende que será preciso olhar mais os novos espaços para ampliar a sua participação de mercado.
“Nós temos um “share” de 23%, mas nossas pesquisas mostram que quase 50% [dos consumidores] querem comprar itens da Natura. Se não temos um “share” ainda maior é porque, em parte, não estamos em todos os lugares que poderíamos estar”, disse Alessandro Carlucci, presidente da Natura, em entrevista sobre resultados da empresa. “Por isso uma das metas é avançarmos mais pelo Brasil.”
A Unilever, que produz Seda e Omo, está prestes a inaugurar a ampliação da unidade fabril de Igarassu (PE) que produzirá sabão em pó e atenderá Norte e Nordeste. “Investimos R$ 85 milhões no projeto e estamos praticamente prontos para entrar em operação”, disse ao Valor Luiz Carlos Dutra, vice-presidente de Assuntos Corporativos da Unilever.
Além disso, lançamentos têm deixado de ser, cada vez mais, focados apenas em São Paulo e Rio. A Reckitt-Benckiser disse na semana passada que venderá o seu novo Vanish nacionalmente. “Decidimos fazer mídia nacional do produto e criar mercadorias que teriam mais aceitação por lá, como as embalagens do Vanish em sachês”, disse Fernanda Belfort, gerente de marketing de produtos de limpeza da Reckitt.