Há cinco meses, o economista Roberto Alves, 41 anos, deixou emprego e amigos em sua cidade natal, Manaus (AM), com a expectativa de assumir um cargo na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em setembro, após receber uma convocação da autarquia para começar o curso de formação para o posto de especialista, com nomeação prevista para 17 de janeiro, veio para Brasília, firmou contrato de aluguel, trouxe três filhos e fez a mulher pedir demissão do emprego. Até agora, porém, ao lado de 138 aprovados no concurso realizado em 2010, está a ver navios.
Desempregado desde então e à espera de um salário de R$ 9,3 mil, Alves sobrevive em Brasília com o que restou da indenização trabalhista. “Vendi meu carro porque minha provisão era apenas para um mês. Agora, estou perdido e não sei se encontrarei emprego. Se eu expuser minha situação, nenhuma empresa me aceitará”, lamentou. Mas, se a perspectiva de assumir o prometido posto já era ruim, da semana passada para cá, a situação só piorou.
Os aprovados em concursos, mesmo os aptos a tomar posse, foram solapados pelo corte de R$ 50 bilhões no Orçamento anunciado pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Para tentar conter a inflação, estimulada pela farra fiscal comandada pelo ex-presidente Lula com o intuito de eleger Dilma Rousseff à Presidência da República, o governo foi obrigado a suspender concursos e nomeações. Quem acreditou no poder público agora está pagando a fatura. Muitos que já deveriam estar trabalhando se viram como podem para honrar dívidas.
O descaso do governo coincide com a primeira crise do setor energético do governo Dilma, na qual aumentam os questionamentos sobre a qualidade e a eficiência das fiscalizações da Aneel. Até junho do ano passado, somente 47 técnicos foram chamados para tentar reverter o péssimo serviço prestado pelo órgão regulador. Outros 76 especialistas foram convocados em setembro para o curso de formação. Mas o que lhes restou foi apenas promessa.
A situação de Amanda Ferreira, 25 anos, é desalentadora. Formada em educação física, passou para o cargo de analista administrativo da Aneel. Depois de receber e-mail com a previsão de sua convocação, pediu exoneração da Receita Federal em Corumbá (MS) e voltou para a casa dos pais em Brasília. “É muito frustrante. A gente presta concurso achando que é o caminho mais certo para ter uma estabilidade financeira. Mas passar nas provas é só o começo dos problemas”, desabafou. De forma lacônica, a Aneel limitou-se a informar que aguarda a autorização do Ministério do Planejamento para contratar os concursados.
Prazo apertado
Situação crítica também vivem os que acreditaram em uma segunda convocação do concurso realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2008. Há dois anos na expectativa de nomeação, eles viram a situação se agravar com o corte no Orçamento e com o fato de a validade do concurso, já contando com a prorrogação, expirar em 31 de julho próximo. Em busca de uma solução, cerca de 30 concursados se manifestaram em frente ao Planejamento ontem. Eles querem a autorização para o provimento de, ao menos, 141 cargos. Até o momento, dos 475 aprovados, 271 foram nomeados.
A esperança dos concursados está depositada na promessa da ministra de fazer uma análise rigorosa, com “lupa”, das novas contratações. Antes do fim da validade do certame, os candidatos ainda precisam passar pelo curso de formação, com duração de dois a três meses. “É necessário que eles nos chamem até, no máximo, o próximo mês. Parei de trabalhar em 2008 para estudar e a minha família sofre desgaste por conta da demora”, lamentou a candidata Francilene Maciel, 36 anos. Camila Soares Barbosa, 25, e Marcelo Borges dos Santos, 29, vieram de Goiânia para exigir medidas por parte do governo. “Vou me casar em setembro e ainda não pude investir em um imóvel, porque não sei se vou ficar em Goiânia ou vir para Brasília”, disse Camila.
A lentidão não frustra apenas os candidatos, mas os servidores da própria Anatel, que sofrem cada vez mais com a carência na área de recursos humanos e a sobrecarga. No ano passado, a própria agência pediu autorização para preencher os 141 cargos. Agora, o quadro piora com a reativação da Telebrás — dos 178 empregados da estatal com que a Anatel contava, 80 já retornaram ao órgão de origem. “A nomeação dos aprovados é fundamental para a Anatel. O quadro autorizado da agência é de 1.690 pessoas. Hoje, há 1.520”, informou o órgão, em comunicado.
Ontem, os candidatos foram recebidos pelo secretário de Recursos Humanos do Planejamento, Duvanier Paiva Ferreira. Apesar de considerar legítima a manifestação, Ferreira enfatizou que, embora autorize, a lei não obriga os órgãos a nomear os excedentes de aprovados em concursos. “Não queremos criar cargos, apenas ocupar as vagas já existentes. Estou grávida de três meses e a minha vida está presa por conta dessa seleção”, reclamou a aprovada Taís Lessa Cézar, 30 anos.
Preocupação no BC
» Aprovados além das vagas no concurso de 2009 do Banco Central, com 500 vagas, também aguardam nomeação. Eles apostam que o órgão fará uma segunda chamada para suprir as 942 vagas de analistas e as 144 de técnicos que deverão ser abertas por conta de aposentadorias até o fim de 2011. “Somos 350 pessoas ansiosas pela publicação no Diário Oficial da União. Trabalho como temporário em um órgão público e, devido à expectativa, não consigo me dedicar a outros certames”, observou o candidato Dilmar Pereira, 35 anos.
Greve em ministério
Apesar de toda a gritaria, funcionários terceirizados do Ministério das Cidades estão há 10 dias sem receber salários, tíquete-alimentação e vale-transporte. O quadro confirma o total descompromisso do chefe da Pasta, Mário Negromonte, que ameaçou intervir no setor de Logística, responsável pelos contratos com as prestadoras de serviço, mas preferiu se refugiar na Bahia, seu estado natal, sem impor qualquer punição aos gestores.
Diante desse descaso, os terceirizados, que há pelo menos três meses não veem os pagamentos da contribuições previdenciárias, resolveram cruzar os braços. Aproximadamente 120 pessoas, entre brigadistas e trabalhadores da área administrativa, disseram que só voltarão ao trabalho quando a farra da empresa Orion, contratada pelo Ministério das Cidades, for interrompida.
Vergonha
“Enquanto os nossos salários não estiverem nas nossas contas, ficaremos de braços cruzados. Vamos nos manifestar todos os dias, até que a vergonha volte ao ministério”, afirmou uma prestadora, que preferiu não se identificar. Aproximadamente 50% dos prejudicados aderiram à paralisação. “Muitos foram coagidos de maneira indireta a continuarem trabalhando e estão com medo”, justificou a funcionária.
O diretor do sindicato da categoria, Antônio de Pádua, explicou a importância da greve. “Se não fizermos nada, se todos permanecerem em suas funções, tudo ficará bem para o ministério. Mas isso não é o correto. Temos de mostrar a nossa indignação, tomar uma atitude”, disse. Para ele, é essencial que a classe reivindique seus direitos. “Trabalhar sem receber é um absurdo”, completou. Presente na manifestação, a deputada federal Érika Kokay (PT) cobrou que os órgãos públicos sejam mais rigorosos na hora contratar empresas terceirizadas.
Na última terça-feira, a Orion foi notificada e recebeu cinco dias úteis para se justificar. Se, dentro desse período, a situação não for regularizada, haverá rescisão do contrato. O coordenador-geral de recurso e legislação do Cidades, Renato Stoppa, disse que o dinheiro ainda não foi repassado à Orion, por falta de prestação de contas. “Só liberaremos a verba quando eles nos mandarem um relatório com o pagamento do FGTS e do INSS, descontados em folha. Desde dezembro, não recebemos esse retorno e, por isso, o valor está retido”, afirmou. Essa não é a primeira vez que a Orion dá calote em terceirizados no ministério. Em 2007, deixou mais de uma centena de trabalhadores na mão.