Planos de saúde têm empurrado seus segurados ao SUS para buscarem remédios ou procedimentos que deveriam ser cobertos por eles.
Cinco usuários de diferentes planos de saúde confirmaram a prática à Folha. O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) também já registrou queixas sobre isso.
O caso mais recente envolve a Porto Seguro Saúde e um empresário paulista da área têxtil, D.L., 52, que sofre de artrite reumatoide.
Há três anos, o plano cobre o tratamento com a droga Remicade (infliximabe), aplicada na veia. Ele fica uma noite internado para isso.
Há um mês, porém, a Porto informou, por e-mail, que não cobriria mais o remédio e o orientou a buscá-lo no SUS – o frasco de 100 ml custa R$ 4.000. A cada dois meses, L. usa cinco frascos.
“O governo oferece gratuitamente essas medicações de alto custo através do posto de saúde, devendo apenas ao segurado dar entrada no processo para solicitar a medicação”, diz o e-mail da Porto.
Em seguida, informa que, no caso de L., “excepcionalmente”, cuidaria da burocracia. Ele só precisaria retirar a medicação no posto.
Cliente VIP, que paga R$ 8.000 mensais do plano familiar, o empresário afirma que achou “um absurdo” a atitude da Porto. “Eu não vou ficar em fila de SUS nem morto”, diz ele, que só permitiu a divulgação das suas iniciais.
Segundo a advogada Daniela Trettel, do Idec, pela lei, toda medicação que exige internação para ser administrada deve ser fornecida pelo plano de saúde. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) também confirma a informação.
A Porto, porém, afirma que não há necessidade de internação para aplicar o medicamento -basta que ele seja administrado sob supervisão clínica.
Segundo o reumatologista Morton Sheinberg, no caso do Remicade, a internação é necessária porque há riscos colaterais graves, como choque anafilático, durante a infusão. “Tem que ter médico e desfibrilador por perto”.
Trettel afirma que a prática de empurrar paciente para o SUS tem sido recorrente entre os planos. “Ou eles vencem a pessoa pela burocracia ou acabam “facilitando” o encaminhamento para o SUS”.
A aposentada L.M., 74, conta que, no ano passado, a Sul América negou ao marido, de 78 anos, um implante de marca-passo. “O plano dizia que não via razão para o marca-passo. Depois, sugeriu que procurássemos o SUS, que seria mais rápido”.
A família recorreu à Justiça, e o procedimento só foi feito por meio de liminar. O mesmo ocorreu com outras três pessoas com as quais a Folha conversou. Elas também relataram que receberam orientações de seus planos -Sul América, Amil e Bradesco Seguros- para buscar remédios no SUS.
Dois casos foram de quimioterapia oral e o terceiro, de uma injeção usada para tratar o câncer de tireoide.
CONVÊNIOS REEMBOLSAM MENOS O SUS
Além de empurrar seus clientes para o SUS, os planos de saúde também têm diminuído o ressarcimento ao sistema público -entre 2007 e 2009, o valor passou de R$ 8,23 milhões para R$ 5,62 milhões, queda de 31,7%. Uma lei de 1998 determina que operadoras reembolsem o SUS quando um segurado utiliza a rede. Para os planos, porém, a lei é inconstitucional.
OUTRO LADO
Porto alega que não é obrigada a bancar remédio
Por meio de nota, a Porto Seguro Saúde confirmou que encaminhou o segurado D.L. para buscar a medicação no SUS. Diz que a empresa “tem como política sempre oferecer soluções e alternativas viáveis” aos seus segurados.
“Há anos existe um programa regular estatal de fornecimento de medicamentos de alto custo à população. Quando um tratamento não tem cobertura pelo rol da ANS, orientamos sobre a existência deste serviço.”
Questionada sobre o motivo que a levou a ressarcir a medicação por três anos, a Porto alega que uma nova resolução da ANS definiu a não cobertura a droga.
Mas, na lista de procedimento excluídos pela ANS, não consta o Remicade.
Procurada novamente ontem à noite, a Porto Seguro não respondeu.
Para a empresa, não é necessária a internação do paciente para aplicação do medicamento.
“Basta que o paciente obtenha a medicação no serviço estatal, que a Porto Saúde providencia a aplicação em uma clínica ou hospital.”
Médicos dizem que a internação é necessária. Na ampola e na bula do medicamento, há a informação de que a droga é de uso hospitalar e que precisa ser administrada sob supervisão de médicos especializados.
As empresas Unimed Paulistana, Sul América e Amil negam que encaminham clientes ao SUS.
Afirmam que os clientes são orientados de acordo com sua cobertura contratual e as diretrizes de procedimentos da ANS.