Los argentinos somos derechos y humanos[1] (parte II)

O ditador Videla costumava realizar, entre abril e setembro de 1976, almoços mensais com figuras representativas para consolidar o consenso. Participaram destes encontros empresários dos meios de comunicação, representantes do agronegócio, líderes religiosos, presidentes de entidades científicas, ex-ministros de Relações Exteriores e escritores, entre os quais Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato, Horácio Ratti e o padre Leonardo Castellani. Sábato chegou a dizer que Videla o havia impressionado “como um homem justo, modesto e inteligente”d+ Borges estava “agradecido [a Videla] pelo golpe de 24 de março que salvou o país da ignomínia” e ao mesmo tempo “surpreendido por sua enorme, infinita paciência.” (pág. 182).

O Partido Comunista Argentino também apoiou o golpe, chegando ao ponto de propor a assinatura de um “convênio nacional democrático que servisse de fundamento a um governo cívico-militar de ampla coalizão democrática”, na perspectiva de evitar o avanço da ala dos duros do exército.

Novaro e Palermo mostram como a ditadura argentina, dentro de uma estratégia global anticomunista comandada por Washington, exportou o terror estatal para a Bolívia e os países da América Central. O envio de assessores e o ensino de métodos de interrogatório, de tortura e de roubo de crianças foram algumas das experiências passadas aos ditadores destas regiões dentro da Operação Condor, que consistia na continentalização da criminalidade política por meio de ações terroristas. O resultado foi, juntamente com outros governos autoritários, a morte de mais de 400 mil pessoas em toda a América Latina, das quais 50 mil apenas no Cone Sul[2]. “Planícies alisadas pela morte e o silêncio”, segundo palavras de Julio Cortázar.

As duas últimas ditaduras militares – a da Revolução Argentina (1966-1973) e a do Processo de Reorganização Nacional (1976-1983) – tiveram, no momento de sua implantação golpista, segundo Luis Rubio, os benefícios de uma passividade expectante por parte da sociedade civil e as vantagens de uma neutralidade alarmada da população. Ambos os golpes foram contra governos constitucionais desprestigiados, tendo a Revolução Argentina caído a partir do Cordobazo (1969), enquanto a ditadura do Processo de Reorganização Nacional perdeu todo seu apoio com a derrota das Malvinas (1982)[3]. Lógicamente que os movimentos internos de resistência, assim como as pugnas intracastrenses, tiveram sua influência no fim deste último regime. As Mães da Praça de Maio, que a partir 30 de abril de 1977 começaram a reunir-se periodicamente em frente à Casa Rosada exigindo uma solução para o desaparecimento de seus filhos, denunciam à Argentina e ao mundo os horrores da ditadura militar. Quando a imensa maioria da sociedade apoiava a guerra contra a Inglaterra por conta das Ilhas, as Mães afirmavam categoricamente que As Malvinas são argentinas, os desaparecidos também.  Foi a organização que mais capitaneou a luta contra o governo do terror.

A primeira ditadura militar de segurança nacional da América Latina, cujos líderes sentaram no banco dos réus, foi a argentina. Apesar das leis de Ponto Final e de Obediência Devida, de Raúl Alfonsín, e do indulto, de Carlos Ménem, que nada mais foram que tentativas de tornar impunes os crimes de lesa-humanidade, o Congresso Nacional do país revogou tais decisões e os grupos de defesa dos direitos humanos continuaram lutando para julgar seus torturadores.

Por fim, vale ressaltar, que todo o complexo da Escola de Mecânica da Armada, que ocupa uma quadra ao norte de Buenos Aires, quase foi destruído por Ménen para que no local se construísse uma praça da solidariedade. Na verdade, o objetivo era um parque que valorizasse os apartamentos da classe alta que estão em frente. No entanto, os grupos de direitos humanos se mobilizaram e impediram que se aplicasse a lei do “olvido” a este quartel da Armada. Parte dele que serviu de local de tortura – o clube dos oficiais – foi transformado em museu, em 24 de março de 2004, constituindo uma experiência fundamental de política pública sustentada nos pilares da memória, da verdade e da justiça, historicamente sustentados pelo movimento de direitos humanos. As visitas são guiadas por jovens estudantes das universidades públicas de Buenos Aires que contam a história com muito conhecimento e detalhe. É muito importante conhecê-lo, bastando para tal agendar por telefone (4704-5525) ou pelos serviços dos correios eletrônicos ([email protected] ou [email protected])

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[1] Consigna criada pela ditadura militar para se opor às denúncias sobre violações dos direitos humanos no país.

[2] CALLONI, Stella. Los años del lobbo: operación condor. Buenos Aires: Peña Lillo, 1999, p. 12 e 16.

[3] RUBIO, Luis. Argentina: la promesa incumplida. In: CUEVA, Agustin (Org.). Tiempos conservadores: América Latina en la derechización de Occidente. Quito: Editora El Conejo, 1987, p. 159.