Los argentinos somos derechos y humanos[1] (parte I)

A ditadura militar argentina fundamentou-se, ideologicamente, na doutrina de segurança nacional, no integralismo católico e no anticomunismo, utilizando-se da estratégia do terror de Estado e de uma série de políticas públicas para desmantelar as estruturas formais e informais de proteção estatal que haviam sido criadas no país na década de 1930 e, principalmente, durante o primeiro governo peronista. Para tanto, teve as devidas bênçãos e recomendações da Conferencia Episcopal Argentina (CEA), cuja cúpula hierárquica foi ouvida na véspera do golpe. Não se pode esquecer também o grande apoio dado pela população à primeira Junta Militar golpista (Jorge Rafael Videla, pelo Exércitod+ Emílio Eduardo Massera, pela Marinhad+ e Ramón Agosti, pela Força Aérea), defendendo-a como a salvadora da Pátria, da ordem e da paz.

Duas estratégias implementou a ditadura: a guerra antissubversiva e o estabelecimento de um plano econômico em favor da classe dominante. A primeira consistiu na eliminação física de todas as organizações guerrilheiras, dos grupos de esquerda revolucionária, das comissões e dos delegados sindicais combativos, das agrupações estudantis e dos simpatizantes do populismo peronista, recorrendo a ditadura, para tal, a métodos de regimes totalitários. Esta complexa máquina de torturar e matar chegou a dispor, em 1977, de 340 centros clandestinos em toda a Argentina (NOVARO, Marcosd+ PALERMO, Vicente. La dictadura militar 1976/1983 – del golpe de Estado a la restauración democrática. Buenos Aires: Editora Paidós, 2006, pág. 118). Inventou novas formas de desaparecimento: em voos noturnos, lançou ao mar, com vida, os opositores detidos na Escola da Mecânica da Armadad+ apropriou-se dos bens móveis e imóveis dos presos, vendendo-os em lojas estabelecidas ou nas subastas públicasd+ sequestrou bebês nascidos nos centros de tortura para entregá-los a pais adotivos  apoiadores dos militares e explorou o trabalho escravo das pessoas encarceradas, evitando assim contratar mão de obra para certas tarefas a serem realizadas no quartel. Muitos capelães das Forças Armadas amainavam as consciências dos carrascos e dos ladrões com a justificativa cristã de que era preciso separar o joio do trigo. O relatório Nunca más chegou à cifra de 30.000 desaparecidos, um verdadeiro genocídio da população organizada argentina.

O cinismo do ditador Videla o levou a dar uma explicação para os desaparecidos, apresentando cinco causas: a) que estas pessoas tenham passado para a clandestinidaded+ b) que tenham sido eliminadas pelas próprias organizações, por falta de lealdaded+ c) que tenham se ocultado para viver na marginalidaded+ d) que tenham se desesperado e cometido suicídiod+ e e) por último, que tenham sido assassinadas por conta de excessos cometidos pelas Forças Armadas[2].

Enquanto a hierarquia católica tratara de ignorar a questão, quando não referindo-se a ela em termos de pacificação, de reconciliação e de esquecimento, Henry Kissinger, na reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Santiago do Chile, em 1976, aconselhara a ditadura militar a avançar na “solução” final do problema subversivo antes que o Congresso dos Estados Unidos reiniciasse suas sessões e antes, também, que Jimmy Carter assumisse a presidência, em janeiro de 1977.

A segunda estratégia da ditadura consistiu em limpar os caminhos para a implantação de um programa econômico com um composto de receitas neoliberais, conservadoras e desenvolvimentistas, cujo ponto de convergência básico seria redefinir o comportamento dos atores por meio de uma fórmula composta pelo disciplinamento dos mercados e pela intervenção do Estado (pág. 42). Os beneficiados seriam apenas as classes dominantes, que em troca davam todo o apoio ao Processo de Reorganização Nacional.

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[1] Consigna criada pela ditadura militar para se opor às denúncias sobre violações dos direitos humanos no país.

[2] VIDELA, Jorge Rafael. Entrevista. La Razón, Buenos Aires, 13/ maio/1977.