As greves estão em alta no Brasil. O número de categorias cujos trabalhadores cruzaram os braços para atingir suas reivindicações trabalhistas aumentou 42% entre 2005 e o ano passado, quando foram registradas 516 greves no país – número mais elevado desde as 525 registradas em 2000. Levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) à pedido do Valor mostra que a composição das greves também vem mudando, com maior equilíbrio entre paralisações no setor público e na esfera privada, fenômeno que atingiu seu ápice em 2009, quando o número de greves nos dois setores foi praticamente idêntico: 254 greves nas estatais e três esferas do setor público e 262 em empresas privadas.
O elevado número de greves – e sua distribuição no setor público e privado – está distante, no entanto, do verificado entre o fim dos anos 80 e o início da década de 90. Na série levantada pelo Dieese, que apresenta o número de greves no país desde 1983, o auge foram as 1.972 paralisações de 1989. No ano seguinte, primeiro do governo Fernando Collor, o número foi igualmente expressivo: 1.782. Além destes, o triênio entre 1994 e 1996 e também o ano de 1986 registraram mais de mil greves.
“As greves refletem a situação econômica do país, e, em menor medida, o momento político”, diz José Silvestre, coordenador de relações sindicais do Dieese. Silvestre cita a evolução pela qual passaram os sindicatos e os mecanismos legais desde a Constituição de 1988, que permitiu a criação de sindicatos, federações e confederações de servidores públicos. “A partir dali, há um crescimento no número de greves no setor público, que também passa a se relacionar melhor com o funcionalismo”, diz ele.
A institucionalização do sindicalismo no setor público serviu para reduzir os conflitos policiais com grevistas, deixando no passado casos como a morte de três trabalhadores em greve na CSN, então estatal, em novembro de 1988 – mês seguinte à aprovação da Constituição.
Para Giovanni Alves, doutor em ciências sociais pela Unicamp e professor de sociologia da Unesp, entender o contexto político e econômico é central para compreender o ressurgimento das greves. Enquanto nos anos 80, afirma Alves, os sindicatos funcionavam como “voz ativa e organizada” da sociedade que testava os limites da ditadura militar – que terminaria em março de 1985 – e, em seguida, os limites da recém-conquistada democracia, nos anos 90 o papel dos sindicalistas era mais defensivo. “A história do Brasil precisa ser dividida entre antes e depois de Collor. A partir de 1990 há um verdadeiro terremoto social, por meio da abertura econômica e desregulamentação das atividades do Estado, que atinge em cheio as empresas e, por consequência, os trabalhadores e sindicatos”, afirma ele.
Segundo os especialistas consultados pelo Valor, a atuação do movimento sindical, e, portanto, das greves no mercado de trabalho, pode ser dividida em três fases. Wilson Amorim, coordenador de pesquisas da Fundação Instituto de Administração (FIA-SP), avalia que na década de 80 as greves ocorriam por categoria, isto é, envolvendo todas as empresas de um setor em determinada região, enquanto nos anos 90 as paralisações passaram a ocorrer por empresa. “Como havia uma reestruturação da economia, o contexto passou a ser de múltiplas situações. Enquanto uma empresa cedia às reivindicações, outra, do mesmo setor, na mesma cidade, não tinha capacidade, o que gerava greves, mas não mais por categoria”, diz Amorim.
A aceleração do crescimento, a partir de 2004, iniciou no país uma terceira fase na luta sindical. “A greve agora é decorrência natural do aquecimento do mercado de trabalho”, diz Amorim.
As motivações das greves têm se alterado. Enquanto há trinta anos os sindicatos buscavam institucionalizar-se como negociadores, e nos anos 90 cruzavam os braços para reivindicar salários atrasados ou menos demissões, as greves agora são motivadas por aumento nos salários. Segundo levantamento do Dieese, 50,6% de todas as greves registradas em 2009 foram motivadas por reajustes salariais. Entre as nove motivações relatadas pelos sindicatos, greves contra demissões representaram só 7,9% das paralisações do ano passado.