As 100 famílias de pequenos agricultores e de pescadores que viviam e cultivavam as terras das Areais da Ribanceira, em Imbituba, vivem um drama. A comunidade que habita o local há 200 anos foi despejada no dia 28 de julho passado. O motivo foi uma ação de reintegração de posse concedida à empresa Votorantim, que quer construir uma fábrica de cimento naquela localidade.
As Areais da Ribanceira são uma área que se caracteriza como um verdadeiro patrimônio histórico, ambiental e cultural, sobretudo, por causa da presença de uma comunidade tradicional de agricultores e pescadores artesanais que há gerações ocuparam a área, cultivando mandioca e promovendo o extrativismo sustentável do butiá.
A ação de despejo contou com a força tarefa de aproximadamente cinqüenta policiais militares, somadas cavalaria e Polícia de Patrulhamento Tático. Iniciaram com a destruição da casa da família do Seu Antero (62 anos), posteriormente, a casa de Seu Zé Farias (72 anos), Seu Valentim (78 anos) e Seu Nei (62 anos).
Agora se encontra sob ameaça de desapropriação e destruição a sede da Associação Comunitária Rural de Imbituba (Acordi) e o engenho de farinha coletivo. São 24 hectares situados bem no centro da área já reintegrada pela ordem judicial. “Tirar a terra é nos mandar para o cemitério”, afirmou seu Zezeca, vice-presidente da Acordi.
Celso Antonio Tres, procurador federal da República em Tubarão, no Sul do Estado, ingressou com uma ação civil pública contra a Engesul Indústria e Comércio e s Sulfacal Indústria e Comércio de Gesso com o objetivo de garantir a posse das terras da comunidade tradicional dos Areais da Ribanceira, em Imbituba, aos agricultores e pescadores artesanais que foram retirados de lá. A Engesul, que tinha a propriedade da área ocupada pela comunidade tradicional antes de repassá-la à Sulfacal, ajuizou ação de reintegração de posse, cujo mandado para remoção da comunidade foi cumprido no último dia 28.
A Justiça Federal indeferiu, em decisão fr 1º grau, o pedido para que fosse determinada a suspensão da reintegração de posse e o retorno dos agricultores e pescadores tradicionais aos imóveis. O Ministério Público Federal (MPF) está recorrendo da decisão junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A ação movida pelo MPF quer garantir a posse de terras para as 100 famílias que habitam o local há quase 200 anos. Para o MPF, as terras “são ocupadas por cerca de 100 famílias de pequenos agricultores e pescadores, que têm nesse local sua história e seu modo de vida, e dele dependem para sua sobrevivência”.
A Comissão de Direitos e Garantias Fundamentais de Amparo à Família e à Mulher, da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), visitou a população dos Areais da Ribanceira. A comissão constatou que ela vinha sofrendo com diversos atentados aos direitos humanos, como perseguições, cárcere privado e tortura, destruição de benfeitorias e impedimento de trabalhar na região.
De acordo com a ação do MPF, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) instaurou processo para o reconhecimento e regularização fundiária da comunidade tradicional dos Areais da Ribanceira. Além disso, tramita na superintendência estadual do INCRA procedimento que visa à fiscalização do cumprimento da função social do imóvel de propriedade da Sulfacal Comércio de Gesso. Paralelamente à atuação do INCRA, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) está conduzindo processo referente à proposta de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Areais da Ribanceira.
Venda Irregular – Em 2005, a Justiça Federal determinou, em outra ação do MPF, o sequestro dos imóveis da Engesul. Na liquidação da extinta estatal federal Indústria Carboquímica Catarinense (ICC), restou patrimônio de cinco áreas no perímetro urbano de Imbituba, que somavam 257 hectares. Aproximadamente 75% dessas terras eram ocupados pela comunidade dos Areais da Ribanceira. Em junho de 1998, a ICC licitou os bens, sendo vencedora a Cimento Rio Branco (Votorantim), que ofertou por eles R$ 2,3 milhões. Porém, a empresa desistiu da compra.
Em fevereiro de 2000, a ICC deu os bens em pagamento de suas dívidas junto à Gaspetro, outra estatal federal. Em maio daquele ano, sem licitação ou avaliação dos bens, a Gaspetro vendeu tudo à Engesul por cerca de R$ 1,4 milhão.
Segundo o procurador Tres, a empresa não pagou os valores à estatal, que em 2003 aceitou a venda por valor menor: R$ 1,1 milhão. Do total de terras, a Engesul vendeu 17 hectares para a Cimento Rio Branco, recebendo o mesmo valor cobrado pela Gaspetro na venda de todas as áreas: R$ 1,1 milhão.
Para o MPF, a venda não foi precedida do devido processo licitatório, tendo em vista que a Gaspetro é uma sociedade de economia mista, integrante da administração pública indireta, e era proprietária de um bem público.