Se estiver lendo este artigo impresso, o mais provável é que vá ler somente a metade do que escrevi. Mas se a leitura for online, talvez não chegue a um quinto dele. Essas são as conclusões de um Eyetrack, do Poynter Institute, e de uma análise de Jakob Nielsen – ambas sugerem que muitas pessoas já não conseguem mais se concentrar a ponto de ler um artigo até o fim.
Mas a questão não termina aí: para alguns acadêmicos, estamos nos tornando leitores menos atentos. Recentemente, o professor Greg Garrard, da Bath Spa University, revelou ter precisado reduzir a lista de livros que recomenda para seus alunos, enquanto Keith Thomas, historiador de Oxford, disse estar perplexo com colegas mais jovens que analisam suas fontes usando uma ferramenta de busca, em vez de lê-las na íntegra.
Então, estamos ficando mais burros? Segundo o novo livro do especialista em tecnologia Nicholas Carr, The Shallows, nossos hábitos hiperativos online já afetam nossa capacidade mental para processar e compreender uma informação textual muito longa. Os feeds (fluxos de mensagens) ininterruptos nos deixam “hiperlinkados”, saltando de um artigo para outro – sem absorver seu conteúdod+ a leitura é frequentemente interrompida pela chegada de um novo e-maild+ e hoje assimilamos regularmente mensagens com poucas palavras pelo Twitter e Facebook.
Isso significa que, por causa da internet, apesar de nos tornarmos mais aptos para reunir as mais diversas informações factuais, aos poucos estamos esquecendo como sentar, contemplar e relacionar esses fatos entre si. Como escreve Carr, “estamos perdendo a capacidade de alcançar um equilíbrio entre dois estados de espírito distintos”.
Você ainda lê? Então, provavelmente, faz parte de uma minoria. Mas isso não importa, já que uma revolução literária está em formação. Primeiro foi o Slow Food, depois o Slow Travel. E agora o movimento do Slow Reading (leitura lenta e atenciosa) – formado por acadêmicos e intelectuais que querem nos ver lendo, e relendo, sem pressa. Pedem para desligarmos os computadores com mais frequência para redescobrirmos a alegria do envolvimento pessoal com o texto físico e a de absorvê-lo integralmente.
“Se quer ter uma experiência profunda com um livro, interiorizá-lo, combinar as ideias de um escritor com as suas e fazer de tudo isso uma experiência mais pessoal, tem que ler lentamente”, diz John Miedema, de Ottawa, que escreveu Slow Reading (2009). Mas Lancelot R. Fletcher, o primeiro autor contemporâneo a popularizar o termo, discorda. Para ele, o Slow Reading não significa dar vazão à criatividade do leitor, mas sim descobrir a do escritor. “Meu objetivo foi contestar o pós-modernismo para estimular a descoberta do conteúdo autoral. Disse a meus alunos para acreditarem sempre que o texto foi escrito por Deus – e se não conseguirem compreender alguma coisa a falha é de deles, não do autor.”
Embora Fletcher tenha usado no início o termo Slow Reading como ferramenta acadêmica, a partir daí esse conceito passou a ter um alcance maior. Miedema diz no seu website que hoje o Slow Reading, como o Slow Food, é um conceito que pode ajudar a conectar o leitor com sua comunidade. “O Slow Reading é um evento comunitário, com a restauração das relações entre ideias e pessoas. A continuidade dos relacionamentos por meio da leitura é experimentada quando tomamos livros emprestados de amigosd+ quando lemos para nossos filhos na hora de dormir.” Entretanto, apesar de o movimento ter começado na academia, para Tracy Seeley, professora de inglês na Universidade de São Francisco e autora de um blog sobre o assunto, esse novo espírito da leitura não deve ser apenas área dos intelectuais. “A leitura lenta e cuidadosa, com atenção, é um desafio para todos nós.”
Contudo, não se trata de um movimento particularmente coeso. Como escreveu Malcom Jones na Newsweek: “Ele não tem diretoria e tampouco, que horror, um site!” E também não é uma ideia nova: em 1623, a primeira edição in-fólio de uma obra de Shakespeare foi um estímulo para se ler a obra do dramaturgo “repetidas vezes”d+ em 1887, Friedrich Nietzsche se descreveu como “mestre da leitura lenta”d+ e nas décadas de 20 e 30, catedráticos como Ivo Armstrong Richards, crítico literário inglês, popularizaram a análise de textos dentro dos círculos acadêmicos.
Descobertas. Keith Thomas, professor de História em Oxford, não se considera parte integrante de uma comunidade da leitura lenta, mas num artigo para a London Review of Books escreveu: “Não acho que usar uma ferramenta de busca para encontrar palavras-chave num texto pode substituir uma leitura adequada desse texto. E é impossível fazer descobertas felizes e inesperadas. O fato é que metade de todas as coisas que encontrei nas minhas pesquisas foi por acaso, por sorte, inesperadamente.”
Alguns acadêmicos discordam. O professor de literatura Pierre Bayard escreveu um livro sobre como os leitores podem formar opiniões válidas sobre textos que leram por alto – ou nem leram. “Um indivíduo pode manter uma conversa entusiasmada sobre um livro que nem chegou a ler, e talvez até com uma pessoa que também não o leu”, diz em Como Falar dos Livros Que Não Lemos? (2007), antes de sugerir que esse blefe pode estar “na essência de um processo criativo”.
Claro que os adeptos da leitura atenciosa não concordam. Tracy Seeley admite que é possível se ter uma conversa básica ao se ler apenas o sumário de um livro. “Mas para o tipo de leitura que quero que meus alunos façam, as palavras são importantes, assim como a forma física das sentenças.”
E Nicholas Carr vai ainda mais longe, quando afirma que “as palavras do escritor atuam como um catalisador na mente do leitor, inspirando novas associações e percepções, até mesmo epifanias”. E, talvez mais importante, é apenas por meio de uma leitura lenta que a grande literatura poderá ser cultivada no futuro. “A existência de um leitor atento e crítico é que estimula o trabalho de um autor. Ele inspira confiança no escritor para explorar novas formas de expressão, trilhar caminhos difíceis e exigentes do pensamento, aventurar-se em território desconhecido e às vezes perigoso”, completa Carr.
Mas para Tracy Seeley, o blefe literário de Bayard oculta um problema mais premente: a corrosão do poder de concentração, como destaca Nicholas Carr. Ela observa que, depois de uma conversa com seus alunos, descobriu que muitos não conseguiam se concentrar na leitura de um texto por mais de 30 segundos ou um minuto de cada vez. “As novas tecnologias nos afastam da leitura mais aprofundada.” Mas, ao contrário de Greg Garrard, Tracy não pretende reduzir o volume de leitura que estabelece para suas aulas. “É minha responsabilidade desafiar os alunos. Não vou desistir.”
Ela confessa não ver um aliado em Henry Hitchings – autor de livro cujo título provoca confusão, How to Talk About Books You Haven”t Read (Como Realmente Falar Sobre Livros Que Você Não Leu), de 2008, o qual pode levar a pensar que ele seja um seguidor de Pierre Bayard. “No meu livro, não defendo o blefe. Na verdade, ele é uma declaração velada de que a leitura é importante. E o objetivo é estimular os possíveis embromadores a irem além do mero blefe.”
Mas Hitchings acredita também que fazer uma distinção precisa entre leitura lenta e rápida seja algo idealista. “Em resumo, essa polaridade entre rápido e lento – ou a antítese, se preferir – parece falsa. Todos adotamos comportamentos diversos como leitores. Se, por exemplo, vou me dedicar a um livro de James Joyce, uma leitura lenta é mais apropriada. Mas não será o caso se vou ler o manual de uma nova máquina de lavar.” Ele concorda que a internet é parte do problema. “A web nos acostuma a novas maneiras de ler, olhar e consumir e fragmenta nosso espaço de atenção de uma maneira que não é a ideal se você quer ler, por exemplo, Clarissa.” Segundo Hitchings, “o problema real da internet é que ela corrói, lentamente, a autopercepção, a capacidade de um indivíduo se isolar, como é o caso da leitura desde que os livros impressos se tornaram o padrão”.
O que fazer, então? Todos os adeptos da leitura lenta com quem conversei sabem que uma rejeição total da internet é algo irrealista, no entanto, muitos acham que a resposta seria um isolamento temporário das tecnologias. Para os alunos de Tracy Seeley, por exemplo, o ideal seria desligar o computador um dia por semana. Mas, diante do ritmo de vida de hoje em dia, vamos ter tempo para a leitura? Greg Garrard acha que sim. “Não sou refratário. Neste exato momento estou usando meu iPhone e acabei de checar meus e-mails. Mas, no meio da semana, sempre arranjo um tempo para ler e deixo a internet desligada por quatro ou cinco horas.”
Guru. No entanto, para o guru da internet Jakob Nielsen o iPad pode ser exatamente a resposta: “É agradável e divertido e faz a pessoa esquecer do trabalho.” Mas embora John Miedema considere os iPads e Kindles “um bom meio de transição, principalmente quando se está na estrada”, ele revela que, para o verdadeiro adepto da leitura lenta, não existe um substituto para alguns aspectos particulares do livro impresso: “O livro capta uma experiência ou ideias num espaço e tempo particulares.”
Pessoalmente, não estou certo se conseguiria ficar longe da internet por muito tempo. Enquanto redigia este artigo, continuei saltando de um site para outro, lendo tudo rapidamente, absorvendo muito poucod+ a leitura na web está muito arraigada na minha vida cotidiana para eu conseguir mudar. Li ensaios e artigos não em cópia impressa, mas em PDFs, e sinto-me mais tranquilo vasculhando dezenas de novos artigos de diversas agências do que alguns poucos de uma única fonte impressa. Suspeito que muitos leitores estejam na mesma situação.
Porém se, como eu, ocasionalmente alguém quiser ler com mais atenção e profundidade, uma ajuda está à sua disposição. Basta baixar um aplicativo chamado Freedom, que lhe permite ler em paz desligando sua conexão com a internet. Ou, se quiser remover anúncios e outras distrações da sua tela, pode sempre baixar o leitor offline Instapaper para o seu iPhone. Quer dizer, se você ainda estiver lendo.
(TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTIN)