A dor de um soco paralisou seus sentidos. Amortecida, deu um passo atrás e ergueu o braço para se defender. Ao abrir os olhos, a médica de 29 anos viu que a paciente continuava na sua frente, gritando. O constrangimento se tornou maior do que o medo de apanhar. Pela primeira vez na carreira de três anos ela sentiu-se humilhada.
A agressão vivida pela jovem há dois meses, num posto de saúde de Florianópolis, foi a última, depois de uma longa lista de ameaças. A transferência foi a solução.
A cena retrata uma relação doente entre profissionais da saúde e pacientes na Capital. Assim como muitas pessoas sofrem nas filas, profissionais pagam, dentro dos consultórios, pelo que consideram falta de estrutura na rede municipal. O diretor do Departamento de Saúde do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasen), Cláudio de Oliveira, informou que, dos 1,2 mil servidores da saúde da Capital, cerca de 80% já sofreram ameaças ou agressões físicas ou verbais. O número chega através de denúncias por telefone e pedidos de transferência.
– Cerca de 50% das equipes de Saúde da Família atendem mais de 3 mil pessoas. Na Vila Aparecida, Mont Serrat, Chico Mendes, por exemplo, existe apenas uma equipe, que atende 6 mil pacientes. No local, deveriam existir quatro equipes para um bom atendimento – explica.
A sobrecarga de pacientes resulta na revolta dos moradores pela espera nas consultas. Oliveira afirma que, na maioria dos postos em áreas de risco, as consultas chegam a demorar dois meses para serem marcadas.
– Cada equipe deveria realizar 400 consultas por mês. O número, às vezes, passa de mil – revela.
Muitas das agressões verbais ou até as físicas não são registradas pelos profissionais da saúde por medo ou descrença de mudança. De acordo com o Sintrasen, por dia, pelo menos dois profissionais sofrem algum tipo de agressão.
Prefeitura contesta os números do sindicato
Os casos de agressões não são tão frequentes, de acordo com o diretor de Atenção Primária da Secretaria de Saúde de Florianópolis, Daniel Moutinho. Ele contesta a informação do sindicato e garante que os casos são isolados. Quando ocorrem, o profissional registra um boletim de ocorrência e comunica à secretaria, que oferece assessoria jurídica. A assessoria da secretaria explicou que, nas unidades de pronto atendimento (UPA), apenas duas agressões físicas foram registradas em dois anos. Nos postos, o número é menor, mas não há levantamento.
Para garantir a segurança dos profissionais das UPAs, que funcionam 24 horas, a secretaria encaminhou ao Ministério Público pedido de policiamento. Sobre a falta de funcionários, Daniel garante:
– Em quatro anos, o número de equipes nos postos passou de 47 para 100. Não existe falta de médico. Eles atendem até 400 pacientes por mês. Uma equipe pode atender até 3 mil pessoas.
De acordo com o promotor Alexandre Herculano Abreu, que responde pela área de saúde, a prefeitura encaminhou uma denúncia de furtos e agressões contra os servidores dos postos e das UPAs. O inquérito civil será enviado à PM para fazer o policiamento dentro de um mês em cada unidade. Sobre a falta de médicos, a promotoria deve fiscalizar a situação e, caso houver necessidade de novas vagas, vai intervir.