Equívocos e ilusões num jogo sempre complicado

Os rumos da universidade e da produção científica no Brasil são um constante exercício de reflexão para Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP). Diretor de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) entre 2004 e 2008, ele avalia positivamente o avanço do fomento à pesquisa nos últimos anos, mas destaca pontos negativos a serem superados, para o país continuar formando mais mestres e doutores e produzindo trabalhos acadêmicos de melhor qualidade. Uma de suas críticas recai sobre a centralização da definição de critérios e prioridades da política de concessão de bolsas na Capes.

Janine Ribeiro também cobra a adoção de reajustes periódicos no valor das bolsas a pesquisadores, chama atenção para o que considera um equívoco achar que toda pesquisa científica tem que ter aplicabilidade no setor produtivo e questiona o “interesse limitado” de empresas pelo conhecimento desenvolvido nas universidades. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Janine Ribeiro.

Qual sua avaliação sobre a evolução das ações de fomento à produção científica no Brasil?

Renato Janine Ribeiro: Acho que se cobrem razoavelmente as necessidades do país. Há alguns anos, quando eu era diretor da Capes, fiz um levantamento sobre os docentes que trabalhavam na pós-graduação. Eram cerca de 21 mil elegíveis a bolsas por produtividade, que é o principal indicador de qualidade. Desse total, subtraio aqueles que não têm condições de se dedicar com exclusividade ao trabalho de pesquisa – como os de direito, saúde e engenharia ou os que mantêm algum vínculo empregatício e não podem receber auxílio – e os acadêmicos que não têm bom índice de produção. Se fizer essas reduções, posso contar com algo perto de 15 mil candidatos viáveis, que é a meta do governo. Se transferirmos isso para o fomento à cultura, a situação é bem mais grave.

O aumento do número de mestres e doutores e a criação de cursos de pós-graduação são os principais alvos das políticas de fomento. Numericamente, as estatísticas comprovam que isso foi alcançado. Mas a oferta de recursos pode ser considerada suficiente?

Janine Ribeiro: Grosseiramente falando e olhando apenas os programas de mestrado e doutorado, a oferta de bolsas e de recursos é insuficiente. Os dados com que se trabalha são: um terço dos candidatos atendidos por bolsasd+ um terço sem acessar o sistema, por causa de vínculo empregatício, por exemplod+ e um terço sem auxílio nenhum. Por essa conta, o número de bolsistas teria que dobrar. Outro ponto, e que precisa ser constante, é a valorização da bolsa. Tudo ficou congelado no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi muito ruim para a universidade. Agora seria preciso garantir aumento todo ano pela inflação e recomposição das perdas históricas. Nada disso é fácil. Se o valor da bolsa subir, o número de bolsas ofertadas poderá ser inibido. O gestor tem que levar isso em conta. É um jogo complicado.

Como fica a qualidade da produção científica nesse contexto?

Janine Ribeiro: O Brasil aumentou muito a proporção de mestres e doutores e isso é um grande ganho, mas seria uma ilusão supor que esse crescimento seja acompanhado pela qualidade. Em 1984, quando me tornei doutor, o Brasil titulou 800 doutoresd+ hoje, são mais de 10 mil por ano. As exigências mudaram muito. A pesquisa científica tem um nível de variação muito grande, com aspectos positivos e aspectos que podemos achar que não são tão bons. Mas o saldo é positivo, não podemos nos envergonhar.

Ouve-se falar muito em inovação. O que se deve entender por esse conceito?

Janine Ribeiro: No sentido que eles [agências de fomento] utilizam é algo que se refere à introdução na empresa de conhecimento científico e tecnológico desenvolvido pela pesquisa acadêmica. Não tem nada a ver com a ideia de novidade na criação científica.

Apesar do discurso da “inovação”, parece que a distância entre universidade e empresas ainda é grande.

Janine Ribeiro: Quando se faz trabalho de criação científica na área de exatas existe uma grande ilusão: as pessoas pensam que o interesse básico é a aplicação do conhecimento e se esquecem de que as exatas são tão exigentes no rigor acadêmico e na ciência desinteressada quanto a área de humanas. Algumas exatas têm espaço de mercado maior, outras, menor, como matemática. O interesse no desenvolvimento de conhecimento científico voltado para o mercado é limitado. Muita gente não percebe isso. Existe o discurso empresarial para incentivar empresas e universidades a trabalharem juntas, mas na hora de atender a seu interesse, os empresários compram tecnologia pronta.

Empresas e universidade têm dinâmicas muito diferentes?

Janine Ribeiro: Os empresários costumam dizer que o obstáculo está na universidade, mas não é verdade. Quando minha colega Wrana [Panizzi, vice-presidente do CNPq] era reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, todo dia ela conversava com empresários, que vinham com o discurso de que a universidade estava muito longe da realidade do mercado. Sempre respondia: “Estamos longe e vocês estão demitindo direto”. A questão toda de criar participação maior das empresa é honrosa, só que não é prática. E não é correto pensar que existe falha do mundo acadêmico nisso. As dificuldade estão dos dois lados.

Entre um projeto de pesquisa na área de bionergia e outro em semiótica, como uma agência de fomento define prioridades e critérios para a concessão de bolsas?

Janine Ribeiro: Não trabalhei nessa área, portanto não conheço o procedimento. Quando estava na Capes, a decisão era estritamente do presidente, o que não me parece positivo.