O general da ativa Maynard Marques de Santa Rosa, chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército, diz em nota que a comissão da verdade, criada pelo governo para investigar crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985), seria formada por “fanáticos” e viraria uma “comissão da calúnia”.
Segundo ele, que é general de quatro estrelas (maior patente militar) e parte do Alto Comando do Exército, os integrantes da comissão seriam os “mesmos fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o sequestro de inocentes e o assalto a bancos como meio de combate ao regime, para alcançar o poder”.
Na nota que circula na internet, Santa Rosa diz: “Confiar a fanáticos a busca da verdade é o mesmo que entregar o galinheiro aos cuidados da raposa. A história da inquisição espanhola espelha o perigo do poder concedido a fanáticos. Quando os sicários de Tomás de Torquemada [1420-1498] viram-se livres para investigar a vida alheia, a sanha persecutória conseguiu flagelar 30 mil vítimas por ano.”
Consultado pela Folha, o Comando do Exército disse que o texto do general é uma “carta pessoal a um amigo” e não traduz a posição da Força, pois quem fala pelo Exército é o comandante, general Enzo Martins Peri”. A “carta ao amigo”, porém, é tão formal que contém a patente, o nome completo e o cargo de Santa Rosa.
Considerado um dos remanescentes e o atual “porta-voz” da “linha dura” da ativa, o general Santa Rosa já se envolveu em pelo menos dois outros conflitos com autoridades civis no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ele deve ir para a reserva, por tempo, neste ano.
Um dos conflitos foi em 2007, quando discordou das negociações para a reserva indígena Raposa/Serra do Sol e foi afastado pelo ministro Nelson Jobim da Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais da Defesa e devolvido ao Exército.
O outro foi em 2009, quando assinou nota com dois outros generais, então da ativa, criticando a Estratégia Nacional de Defesa e o novo organograma das Forças Armadas, por afastarem ainda mais os militares do poder.
“Hierarquia e disciplina”
Falando em tese, já que disse desconhecer o teor da nota, o ministro Carlos Alberto Soares, do STM (Superior Tribunal Militar), disse à Folha que esse tipo de manifestação “não é normal de militar da ativa e que, ao circular pela internet, deve obedecer todos os princípios de hierarquia e disciplina”.
O “Regulamento Disciplinar do Exército” relaciona pelo menos duas transgressões que se encaixam no caso de Santa Rosa: “Manifestar-se, publicamente, sem que seja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”d+ e “censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo, seja entre militares, seja entre civis”.
A nota do general que circula na internet não tem data. Os seis integrantes da comissão foram designados pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), no dia 6 de janeiro. São ligados aos direitos humanos e às famílias dos mortos e desaparecidos políticos na ditadura.
Entre eles, está o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, principal responsável pelo decreto presidencial que mandou criar a comissão e que atraiu críticas da área militar, da Igreja Católica, do setor ruralista e acabou sofrendo alterações semânticas justamente na parte que previa a investigação de tortura e mortes na ditadura.