Após o “trauma bastante violento” devido ao vazamento do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2009 -do qual o Ministério da Educação ainda se recupera-, o ministro Fernando Haddad admitiu erros no processo de licitação, mas defendeu o novo formato da prova. Passado o período crítico, ele falou à Folha também sobre seu futuro político, negando a possibilidade de disputar o governo de São Paulo.
Para ele, o PT paulista errou, nas sete últimas eleições estaduais, ao ter tido sete candidatos diferentes, o que dificultou a consolidação de uma liderança. Além disso, diz, a possibilidade de o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) ser o candidato petista em São Paulo seria fruto mais da conjuntura nacional -para consolidar Dilma Rousseff- do que da local.
O ministro, que também é professor de ciência política da USP, afirmou que, do ponto de vista da opinião pública, não há mais partido que tenha imagem associada à ética. O problema, diz, só será resolvido com uma reforma política.
A respeito do desgaste de sua imagem no ministério, Haddad disse que não se preocupava com isso, mas acha que não é tão grande, pois, segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, a educação foi a área mais bem avaliada do governo.
Ainda sobre o Enem, afirmou que foi pego de surpresa com a vitória de um consórcio menos experiente para a distribuição das provas e reiterou que, para este ano, está discutindo com os órgãos de controle a ausência de licitação em favor do consórcio Cespe/Unb e da Cesgranrio e a realização de duas edições do exame.
FOLHA – A imagem que muitos ficaram do Enem foi de um processo caótico. Alunos foram alocados em locais distantes de casa e a prova vazou, entre outros problemas. Qual é a sua leitura do episódio?
FERNANDO HADDAD – Superamos a forma de seleção nos países desenvolvidos. Em países como os Estados Unidos, o estudante pleiteia a vaga na universidade conhecendo o seu desempenho por exames nacionais. Com o Enem, ele escolhe sabendo não só o seu desempenho, mas também o de seus concorrentes.
Tanto a forma da nova prova como o aplicativo de distribuição das vagas compensam as dificuldades decorrentes do furto da prova, que foi um trauma bastante violento para o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas], do qual ele está se recuperando só agora.
FOLHA – A imagem do sr. como gestor não foi abalada?
HADDAD – Não cabe a mim nem me preocupar com isso. Enfrentamos um debate duro com o sistema S, lançamos indicadores de qualidade por escola, enfrentamos um debate com a área econômica para acabar com a DRU para a educação [Desvinculação de Receitas da União, que retirava recursos da educação para o governo gastar em outras áreas]. Tudo isso podia ter arranhado a imagem de quem quer que seja. Mas só me pautei pelo que deve ser feito e muitas vezes enfrentei problemas que exigem uma certa ousadia, que não era bem o perfil dos dirigentes do MEC.
FOLHA – Que autocrítica faz?
HADDAD – Muitas vezes, tem-se um temor reverencial em relação aos órgãos de controle. Se tivéssemos enfrentado o debate junto a eles demonstrando que um exame dessa natureza não pode correr o risco de uma licitação por menor preço, teríamos sensibilizado. Mas se contou com a tradição: sempre se fez licitação e sempre Cespe e Cesgranrio ganharam porque não há outras instituições capazes de realizar o exame. Quando viu a surpresa, o Inep não estava preparado para o embate jurídico do surgimento de um “player” [o consórcio Connasel] que cumpria os requisitos do edital, mas estava evidentemente despreparado para a sua realização.
FOLHA – Mas já durante a licitação surgiram críticas de que a mudança do Enem estava sendo feita de forma muito rápida.
HADDAD – Foi o quinto Enem com mais de 3 milhões de inscritos e, na minha opinião, não teria ocorrido nenhum problema significativo se Cespe e Cesgranrio tivessem feito.
FOLHA – Mas alguns problemas não tiveram relação direta com o furto da prova. Os gabaritos foram divulgados com erro, e o Sisu (sistema que seleciona alunos do Enem para universidades federais) ficou horas fora do ar, por exemplo.
HADDAD – No caso do Sisu, um milhão de pessoas navegaram pelo sistema durante os seis dias que ele operou. Houve uma questão técnica no primeiro dia que foi superada. É que, depois do furto, tudo ganha relevo muito maior. Mas sempre há ocorrências.
FOLHA – O Inep não falhou no acompanhamento do contrato? A auditoria interna aponta que os problemas de segurança foram comunicados verbalmente ao consórcio.
HADDAD – Do meu ponto de vista, o maior responsável é o consórcio, que assinou um contrato se responsabilizando pela segurança da prova. Possivelmente houve erros da gráfica e pode ter havido problemas de acompanhamento da impressão. O fato é que o furto foi filmado e não havia ninguém atrás do monitor para impedir.
FOLHA – O que vai mudar no Enem?
HADDAD – Estou na dependência das negociações que estão sendo feitas entre o Inep e os órgãos de controle. Não podemos tomar essa decisão sem ter a segurança de que não haverá objeção ao contrato com o Cespe. Esse é o entendimento que está sendo construído, com boas chances de uma solução definitiva para o modelo de contratação dos exames que certificam e selecionam.
FOLHA – O sr. sai do MEC em abril para ser candidato?
HADDAD – O presidente Lula, já reeleito, em novembro de 2006 me disse três coisas: você permanece ministro, eu quero em 60 dias um plano de educação na minha mesa com o compromisso de que você permaneça até o final do segundo mandato. De lá para cá, não conversamos mais sobre esse assunto.
FOLHA – A longo prazo, o sr. não pensa em cargo no Legislativo ou no Executivo?
HADDAD – Realmente não. Estou sendo muito sincero.
FOLHA – Onde estará em 1º de janeiro de 2011?
HADDAD – Provavelmente em São Paulo, me apresentando no departamento de Ciência Política da USP.
FOLHA – Um dos nomes mais prováveis do PT para a disputa do governo de São Paulo, o senador Aloizio Mercadante tem contra si ainda a lembrança dos “aloprados”, em 2006, quando um coordenador da campanha dele foi flagrado negociando um dossiê contra tucanos. O sr. não considera um risco trazer este tema de novo para a campanha?
HADDAD – Eu não tenho esse diagnóstico. O senador Aloizio Mercadante, mesmo após aquele episódio que confundiu a opinião pública, teve um percentual considerável de votos, o que o credencia tanto à reeleição no Senado quanto à disputa para o governo do Estado [Mercadante teve 31,7% dos votos no primeiro turno, contra 57,9% de José Serra].
FOLHA – Ele é o seu candidato?
HADDAD – Quando fui consultado, eu disse duas coisas. A primeira, que considerava um equívoco o PT, em sete eleições, ter lançado sete nomes diferentes. Foi um argumento que o próprio presidente sublinhou. E, em segundo, [seria um equívoco] não considerar a hipótese de neste momento repetir o nome do senador, que teve um desempenho interessante na última eleição.
FOLHA – O sr. participaria de um eventual governo da Dilma?
HADDAD – Considero problemática qualquer manifestação nesse sentido porque a pessoa que assume a Presidência tem de ter total liberdade para montar sua equipe. Quando você assume que participaria, cria um constrangimento desnecessário e indevido. Considero que aqueles que participaram do governo Lula devem planejar suas vidas fora do governo.
FOLHA – Já está claro que o sr. apoia Mercadante. Quais são os prós e contras de outros nomes, como a ex-prefeita Marta Suplicy?
HADDAD – Eu entendo que os dois são os nomes mais viáveis do partido, com vantagem para o primeiro em função de ter disputado recentemente o governo do Estado, mas sem desapreço a outras postulações.
FOLHA – E Ciro Gomes? O fato de ele ser cogitado para candidato em São Paulo não revela a fragilidade do PT justamente no seu berço?
HADDAD – O Ciro é um grande quadro, o PSB é um partido cada vez mais próximo do PT, de maneira que em vários Estados o PT vai apoiar o PSB. Isso diz respeito muito mais ao cenário nacional que ao regional.
FOLHA – Dilma não está no PT desde a fundação e, em São Paulo, cogita-se Ciro. O partido perdeu a força?
HADDAD – A filiação da Dilma ao PT não é recente, e ela é egressa de um partido com laços históricos com o PT. Em segundo lugar, é preciso notar o desempenho da ministra Dilma durante o governo. Ela desatou nós muito interessantes no Ministério de Minas e Energia e na Casa Civil. E, por trás das medidas aparentemente administrativas que ela tomou, há uma visão de política pública do papel do Estado e do governo.
FOLHA – Mas o PT participou pouco da escolha dela como candidata.
HADDAD – É evidente que um dirigente como o presidente Lula, que concorreu a cinco eleições presidenciais e tem 83% de aprovação, terá um papel determinante na condução da sua sucessão.
FOLHA – Alguns cientistas políticos fazem a análise de que Lula ficou muito forte e o PT se enfraqueceu, perdendo quadros e sua imagem associada à ética. O que o sr. acha?
HADDAD – Talvez a questão que deveria ser respondida é como o Lula, em 2002, eleito por forças mais progressistas, fez um governo mais conservador do que em seu segundo mandato, em que ele foi eleito por uma coalizão mais conservadora. O segundo mandato avançou muito mais do ponto de vista de democratização do que o primeiro, do ponto de vista de direitos sociais.
FOLHA – E em relação à ética?
HADDAD – Ninguém está se saindo bem nesse quesito do ponto de vista de opinião pública, nem PT, nem PSDB, nem DEM. Não se trata de um pré-julgamento jurídico, mas de uma observação de caráter político. Ninguém se sai bem perante o eleitorado nessa questão, o que é muito ruim para a democracia porque o adiamento da reforma política já não se justifica em virtude do constrangimento que os próprios partidos estão passando perante a opinião pública.
FOLHA – Por que o primeiro mandato foi mais conservador do que o segundo?
HADDAD – Sobretudo a partir de 2005, o presidente se apropriou da máquina de maneira decisiva, a ponto de chamar a execução orçamentária para sua mesa. A partir de 2005, há uma mudança de comportamento e um arejamento para que novas ideias possam ser concebidas. O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação, lançado em 2007) e o PAC não seriam possíveis em 2003.
FOLHA – Por quê?
HADDAD – Não havia clima para grandes voos. Era um clima de constrangimento, de que qualquer alteração de rota poderia comprometer a estabilidade econômica e a sustentabilidade política. Aí essas hipóteses foram sendo testadas pelo presidente ao longo do tempo. E se verificou que na política tem muito tigre de papel.