Por conta das chuvas fortes que já ocorrem em dezembro, o Pantanal deverá ter em 2010 uma das maiores cheias da história, segundo estimativa preliminar do Modelad, sistema de monitoramento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “O maior volume de água vai agravar a destruição do rio Taquari, hoje um dos maiores desastres ambientais do país”, adverte Emiko Kawakabi de Resende, pesquisadora que há mais de 20 anos estuda os impactos na planície pantaneira. O problema é o intenso assoreamento, causado pelo desmatamento e consequente erosão do solo nas propriedades agrícolas e de criação de gado que ocupam a cabeceira dos rios, no cerrado das partes altas de planalto, no entorno do Pantanal. “A planície está sendo entupida pela terra que há décadas escorre das fazendas rio abaixo, com sérios efeitos econômicos, sociais e ambientais”, afirma a pesquisadora. Ela defende a execução imediata de obras para consertar os estragos: “É fundamental manter a pulsação do Pantanal, pois o ciclodas águas rege a vida e a economia da região”.
Em sua opinião é possível recuperar o ambiente e ainda gerar bons negócios na produção agrícola. O foco das atenções é o rio Taquari. Com 801 km de extensão, é o maior afluente do rio Paraguai. A nascente se localiza a 800 metros de altitude, no Planalto Central, em Mato Grosso, compondo uma bacia hidrográfica de 65 mil quilômetros quadrados, a maior parte dentro da planície que compõe o Pantanal. A erosão mudou o fluxo natural das enchentes e vazantes. Transformou uma grande extensão de área em deserto. Em outra parte, 5 mil quilômetros quadrados da planície ficaram permanentemente alagados. O lugar é cemitério de árvores afogadas – uma paisagem lunar, chamada “paliteiros”. A produção pesqueira desabou. Sem alternativas, pescadores deslocaram-se para a periferia de cidades maiores, como Corumbá, onde registra-se aumento da violência e da prostituição.
A inundação permanente expulsou o gado, causando grandes prejuízos para os fazendeiros, que viram suas propriedades submergirem. Cerca de 80 médias e grandes fazendas foram atingidas. Quem não faliu arrendou áreas longe dali em condições de produzir. “Tive de comprar terras para deslocar os animais”, conta o proprietário Pedro Lacerda, presidente do Sindicado Rural de Corumbá, que teve o rebanho reduzido à metade depois que 60% da propriedade ficou inundada.
Em 30 anos, o prejuízo referente ao gado que deixou de ser comercializado em função dos impactos no rio Taquari atingiu R$ 1,2 bilhão. Além disso, R$ 50 milhões de ICMS deixaram de ser recolhidos. Os números constam de um amplo relatório elaborado pela Embrapa, a partir do qual o governo federal instituiu em 2008 um grupo de trabalho interministerial para apontar soluções. A implantação das medidas está hoje sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional, que aguarda o novo Orçamento. “As intervenções demoram, porque as autoridades federais acham mais bonito falar da Amazônia”, lamenta o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), que tentará uma emenda para conseguir R$ 54 milhões do Orçamento, dentro do Plano Plurianual, para o início das obras. “É um trabalho que demorará em torno de seis anos e custará cerca de R$ 800 milhões”, prevê o senador.
“É uma intervenção cara e gigantesca, que dever ser contínua, ou seja, não pode parar”, diz o engenheiro Andrelino Novazzi, da Transrio, empresa que prestou serviços na recente obra da calha do rio Tietê, em São Paulo, e foi convidada a dar um parecer sobre o caso do Taquari. O estudo, concluído em novembro, foi entregue ao governo estadual para servir de base ao processo de licenciamento ambiental da obra. O relatório compilou trabalhos da Embrapa e de outras instituições e considerou diferentes pontos de vista e interesses. As medidas incluem fazer dragagens para retirar areia do leito do rio, reflorestar as margens e construir canais para garantir o ciclo de vazão e enchentes em equilíbrio. Novazzi ressalva: “Nada adiantará se não houver ações para as áreas de cultivo do planalto, diminuindo a areia que chega ao rio e, através dele, ao Pantanal”.
A obra é polêmica. “Mexer pode piorar”, alerta o pesquisador Paulo Boggiani, da Universidade de São Paulo. Sem reflorestar as partes altas, “a solução será paliativa”. Recente estudo realizado por cinco organizações ambientalistas – Conservação Internacional, WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, Avina e Ecoa – detectou que restam apenas 40% da vegetação original em toda a bacia do rio Paraguai, incluindo a planície inundável que constitui o bioma do Pantanal propriamente dito e o planalto de Cerrado em seu entorno. A situação é mais grave no planalto, onde 58% das matas estão comprometidas. A situação preocupa porque dois terços da água que circula no Pantanal nascem nas áreas agrícolas do Mato Grosso. Nessa região, boas práticas como curvas de nível e plantios diretos começam a ser adotadas. Mas, segundo os pesquisadores, faltam avanços na pecuária, atingida pelo empobrecimento dos solos.