Impacientes com o represamento de antigas demandas ou frustrados por acordos que acabaram descumpridos, setores do funcionalismo federal ensaiam um levante contra o governo. Com reivindicações de 2008 e 2009 ainda à espera de solução, sindicatos ligados a cerca de 10 órgãos mobilizam suas bases e pressionam o Ministério do Planejamento a resolver os impasses. As categorias que se sentem mais prejudicadas estão nas ruas, dizem que podem ir além dos piquetes e ameaçam até mesmo entrar em greve.
Ao longo das últimas duas semanas, a Esplanada dos Ministérios assistiu a protestos e a paralisações relâmpago que tiveram como objetivo chamar a atenção. Os técnicos administrativos do Ministério do Trabalho, por exemplo, estão parados por tempo indeterminado e há quase 20 dias protestam em frente ao prédio sede. Os servidores exigem a criação de uma carreira específica e isonomia salarial com profissionais de outras pastas que desempenham funções semelhantes. A categoria argumenta que as mudanças chegaram a ser prometidas pelo governo, mas nunca saíram do papel. Resultado: no Distrito Federal e em 22 estados, as Superintendências Regionais do Trabalho — antigas Delegacias Regionais (DRTs) — estão fechadas ou atendendo ao público parcialmente.
Servidores do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), da Ciência e Tecnologia, os administrativos do Ministério da Fazenda e os da Tecnologia Militar também reclamam que aguardam pelo desfecho de uma série de pendências negociadas com o governo. As queixas são quase idênticas e vão desde reorganizações nas estruturas das carreiras até questões salariais.
Os funcionários do Ministério do Meio Ambiente, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes estão entre os setores mais insatisfeitos. “Nossa proposta de reestruturação da carreira de especialista em meio ambiente está com o Planejamento. Já fizemos duas paralisações de 24 horas como alerta. Vamos discutir a possibilidade de uma greve se o projeto não for encaminhado”, ameaça Jonas Corrêa, presidente da Asibama-Nacional, entidade que representa os funcionários.
Os servidores do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) decidiram não esperar e deram início a um movimento que engessa boa parte do órgão. Conforme o comando nacional de greve, a paralisação não dá sinais de enfraquecimento e enquanto as supostas falhas no relatório final do grupo de trabalho instalado para debater as reivindicações dos servidores não forem corrigidas o movimento não será suspenso. Os empregados do FNDE(1) têm uma pauta emergencial que cobra a redução dos níveis de promoção na carreira de 24 para 13 padrões e a equiparação das tabelas da carreira atualmente em vigor.
Sim X não
A guerra de versões tem movido boa parte dos embates entre as entidades e a área do Executivo encarregada de aparar as arestas com os servidores. Para os trabalhadores, há muito o que ajustar. Já o governo avalia que o cenário não é tão ruim assim. A Secretaria de Recursos Humanos (SRH), que coordena as mesas de negociação com os servidores, informou que todos os acordos firmados com as categorias estão sendo rigorosamente respeitados. Em comunicado ao Correio, a SRH reforça que as imperfeições identificadas nos textos assinados neste e em outros anos, e as queixas de última hora apresentadas pelos sindicalistas são tratadas como prioridade.
A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que negocia em nome da maior parte dos servidores do Executivo federal, acusa o governo de lentidão. “De um mês para cá, foram definidas algumas agendas, mas as reuniões não mostram nenhum caminho”, diz Josemilton Costa, secretário-geral da entidade. Há três meses, no auge da tensão com o Ministério do Planejamento, a Condsef acionou o Ministério Público e pediu intervenção. “Queríamos que os procuradores intercedessem e fizessem com que o governo cumprisse o que prometeu”, completa Costa. A investida não surtiu efeito prático. “Acabaram lavando as mãos”, lamenta o representante da Condsef.
Os sindicatos buscam agora caminhos alternativos. Um deles é ampliar o número de paralisações de um dia e intensificar as cobranças nas mesas de negociação já instaladas. Aos servidores, o governo tem dito que não fechará as portas para o diálogo. Os servidores, porém, querem a definição de calendários e propostas mais concretas. “Enquanto não for encontrado um denominador comum, essa queda de braço não vai ter fim”, adverte um técnico do governo que participa de algumas negociações com os servidores.
Análise da notícia
Fim de ano atrapalha
Ainda que o discurso pró-greve precise ser sustentado a todo custo, as entidades sindicais sabem que mobilizar o funcionalismo nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro é uma tarefa pra lá de difícil. Todos os anos, a temporada de férias tira muita gente das repartições. Alguns órgãos do Executivo federal trabalham às vezes com 40% do efetivo. Ainda que o carro de som seja potente e o discurso empolgante, as assembleias correm o sério risco de ficarem às moscas.
Além da pouca presença de servidores em Brasília, o recesso parlamentar também atrapalha — e muito — os planos das entidades que pretendem convocar paralisações. Com o Congresso Nacional sem movimento, as estratégias políticas perdem força. Não há na história recente de Brasília uma paralisação que tenha feito barulho nesta época do ano.
Mesmo assim, e de forma silenciosa, os setores do funcionalismo mais revoltados com o governo tentam se articular. Nesta semana, representantes de alguns sindicatos discutiram informalmente a possibilidade de aumentar o número de paralisações de advertência e de atos públicos. As categorias que já estão de braços cruzados puxariam o novelo na expectativa de que as demais as acompanhem.
Como tudo isso ainda não veio à superfície, o governo dá de ombros e prefere pagar para ver. O confronto antecipado não interessa ao Ministério do Planejamento, muito menos às vésperas de um ano eleitoral. Manter as portas abertas e apresentar calendários têm sido a tática mais comum e eficiente de esfriar os ânimos dos sindicalistas. Até o momento, entre acertos e erros, tem surtido resultados.