Aos cem anos da fundação dos primeiros institutos de artes e ofícios, precursores da rede de ensino profissionalizante dos nossos dias, a educação profissional e tecnológica no país apresenta números tão impactantes quanto os problemas que enfrenta: um milhão de estudantes (sem contar o Sistema S), 480 mil novas matrículas em 2009 e 4 mil escolas, entre federais e estaduais. Se o avanço é indiscutível, também é o tamanho do desafio pela frente. Enquanto no Brasil, de 9% a 10% da oferta de vagas no ensino médio são para cursos profissionalizantes, essa proporção chega a 50% em países como Coreia do Sul e Canadá.
O Ministério da Educação (MEC) afirma, não sem razão, que “nunca antes neste país” esse segmento da educação cresceu tanto. Mas técnicos e especialistas com experiência no setor apontam como desafios enormes ainda sem resposta a insuficiência dos investimentos públicos, a falta de articulação entre a rede federal e as estaduais, a não existência de ferramentas de aferição da qualidade do ensino técnico, além da ausência de mecanismos de interação com o setor produtivo, fundamentais para que haja maior coerência entre os cursos oferecidos e o que o mercado de trabalho em mutação vertiginosa realmente necessita.
Com 272 estabelecimentos em 2009, a rede federal ainda é o parâmetro de excelência, quer pela qualidade de seu corpo docente (com salários e benefícios muito maiores que em outras esferas), quer pela infraestrutura de laboratórios e materiais didáticos, quer pela conjugação entre bom ensino médio generalizante com o ensino tecnológico. O governo Lula diz que encontrou a rede com 140 escolas federais, instituiu outras 132 e chegará ao final com 354 – com R$ 1,1 bilhão de investimentos que resultarão num aumento das vagas de 215 mil para 500 mil.
A Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do MEC comemora o lançamento parcial do Sistec, um sistema que unifica informações de 4 mil escolas técnicas do país (incluindo as estaduais, todas com reconhecimento pelo MEC), resultado de negociação para convênios com os 27 Estados da federação, e de um Catálogo Nacional de Cursos Técnicos regulares, com dados de 2006 sobre as 185 modalidades de ensino médio profissionalizante oferecidas no país, que podem ser consultado por estudantes, pais de alunos e empregadores. “Agora a sociedade pode saber que escolas são validadas, quantos ingressaram e quantos estão para concluir, o que se torna ferramenta de planejamento para as unidades de ensino e para os agentes econômicos”, avalia Andréa de Faria Barros Andrade, diretora de Supervisão da Educação Profissional do MEC.
“O trabalho de articulação que possibilitou o Sistec e o catálogo podem ser um vetor importante para maior troca de experiências entre a rede federal e as estaduais”, aposta Andréa Andrade, para quem o panorama revelado pela inédita centralização de dados demonstra uma concentração de cursos no litoral do país e um descompasso entre as cada vez mais rápidas mudanças no mundo trabalho e a oferta de cursos.
“As escolas têm que estar sintonizadas com seu entorno produtivo”, diz Andréa Andrade. Embora com diferenças regionais a serem levadas em conta, Andréa vê, dadas as perspectivas de crescimento do PIB, boas chances, em termos de empregabilidade dos formandos, para cursos de edificações (para infra-estrutura), mecânica, eletrônica, informática e logística.
Num front paralelo mas não menos importante, depois de uma queda de braço com o chamado Sistema S de ensino técnico e profissional (um universo com mais de 3 milhões de matrículas anuais), o MEC firmou há um ano com o Sesi e o Senac um acordo pelo qual essas entidades se comprometeram a investir respectivamente 50% (Sesi) e 20% (Senac) de sua receita compulsória, ou seja, da verba do imposto sindical, na oferta de vagas gratuitas em suas escolas e institutos.
Diretor do Enem no primeiro governo Lula e ex-presidente da rede estadual fluminense Faetec, que conta com 200 mil estudantes em 50 escolas e outros 250 “postos avançados”, o professor Newton Oliveira defende medidas mais ágeis e radicais no ensino técnico, sob pena de o país viver um “apagão profissional”. Para Oliveira, o ritmo do crescimento econômico previsto para o Brasil nos próximos dez anos exige, de imediato, um exame nacional para esse segmento, um Enet, ou Enem do ensino técnico. “É preciso medir a qualidade dos cursos, integrar a rede federal com as estaduais e coordenar nacionalmente uma ação emergencial para implantar cursos sequenciais, que formem mais rapidamente as pessoas que o mercado precisa.” Os técnicos da área entendem por curso sequencial, os cursos modulares que capacitem os alunos, com certificado, para tarefas parciais a cada semestre ou ano e somados, resultem num certificado global.
A socióloga Marisa Brandão, doutora em educação com trabalho sobre os cursos superiores de educação tecnológica no Brasil e professora do Cefet-RJ, vê com desconfiança as propostas que pretendem tornar a educação tecnológica-profissionalizante cada vez mais independente da formação integral do estudante-trabalhador, futuro cidadão. “Isso se resume a uma educação voltada para um posto de trabalho”, afirma a professora, para quem ensino técnico não deve ser separado do ensino médio de qualidade. “Essa ênfase na rapidez e na resposta ao mercado não faz mais que perpetuar o velho dualismo segundo o qual universidade era para a elite e curso técnico para os pobres trabalhadores”, critica Marisa. “Corre-se o risco de oferecer formação tão restrita que os profissionais formados não atendam sequer ao capital.”