SUS e rede privada de saúde concorrem, diz presidente da ANS

O presidente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Fausto Pereira dos Santos, diz que a saúde pública e a saúde privada não dialogam no Brasil. Em alguns casos, funcionam como concorrentes.

“O SUS e os planos de saúde disputam rede, hospital. O setor público fica em desvantagem grande porque tem menos dinheiro. Falta um planejamento que combine o setor público e o setor privado”, afirma.

Dos 190 milhões de brasileiros, cerca de 40 milhões têm plano de saúde. Os 150 milhões restantes dependem exclusivamente dos hospitais públicos.

Pereira dos Santos é médico sanitarista. Em abril do ano que vem, quando vence seu segundo mandato, ele deixará a presidência da agência que regula e fiscaliza os planos de saúde.

FOLHA – Mais de 20% da população tem plano médico. É muito?
FAUSTO PEREIRA DOS SANTOS
– Num sistema de saúde que constitucionalmente é universal, esse número tão robusto é uma inversão. Em outros países com sistema universal, como Inglaterra, Canadá e França, prepondera o financiamento público. No Brasil, é o privado.

Nossa saúde pública está subfinanciada. Por isso, famílias e empresas se veem obrigadas a buscar a saúde privada. E ainda temos essa política de dar incentivo fiscal a quem contrata o sistema privado de saúde [dedução no Imposto de Renda das pessoas e redução no imposto do lucro líquido das empresas]. A distorção deixa o financiamento da saúde mais iníquo [sem equilíbrio].

FOLHA – É por isso que a saúde pública está tão debilitada?
PEREIRA DOS SANTOS
– O problema é que o setor público e o privado funcionam paralelamente e até como concorrentes. O SUS e os planos de saúde disputam rede, hospital. O setor público fica em desvantagem porque tem menos dinheiro. É preciso que o Brasil defina o papel do público e privado.

FOLHA – Como seria?
PEREIRA DOS SANTOS
– Temos cidades onde 60% da população têm plano de saúde. Não é possível que o secretário de Saúde desconsidere isso em seu planejamento. Ele não pode organizar a rede pública querendo cobrir 100% da população.
Por causa da falta de diálogo, temos dentro da mesma região excesso de oferta e ociosidade na rede privada e escassez na rede pública. É assim nos exames de ultrassom e endoscopia.

FOLHA – O Ministério da Saúde e a ANS não dialogam?
PEREIRA DOS SANTOS
– Nossa relação é harmônica. Falta discussão no governo e no Congresso sobre a delimitação de responsabilidades, sem perder a característica de ser um sistema universal. O impacto do sistema privado é meio desconhecido na gestão do SUS. A discussão que Obama faz agora nos EUA tem um pouco disso. Ele quer definir o papel do Estado e o papel das operadoras.

FOLHA – Como é a pressão das operadoras sobre a ANS?
PEREIRA DOS SANTOS
– A pressão existe. Um conjunto de atores se mobiliza na época de atualização do rol de procedimentos obrigatórios. A indústria quer incluir aquele exame ou equipamento. Os médicos querem determinado procedimento. As operadoras querem segurar [a inclusão de procedimentos]. A mesma coisa acontece na época dos reajustes de mensalidades dos planos. As operadoras procuram ministros e deputados.

FOLHA – Como a ANS reage?
PEREIRA DOS SANTOS
– Antes fazíamos muitas reuniões bilaterais. Neste ano, na atualização do rol de procedimentos obrigatórios, mudamos a tática, porque estava impossível. Agora só fazemos reuniões multilaterais. Uma reunião só com dentistas para discutir os planos odontológicos? Não! E as reuniões são sempre públicas. Acabou o lobby particular.