Um ano depois dos temporais que mataram 135 pessoas e arrasaram cidades inteiras no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, as obras para a reconstrução, que já consumiram R$ 360 milhões de recursos federais, apresentam problemas e são contestadas por especialistas e investigadas pelo Ministério Público Federal.
Em Blumenau, uma das cidades mais atingidas pelo desastre, dois muros de contenção de encostas, construídos em maio deste ano, ruíram meses depois e tiveram de ser refeitos, consumindo mais do que o dobro do orçamento inicial.
A fragilidade do solo na região, onde ocorreram centenas de deslizamentos, é apontada como motivo para a queda dos muros, e tem causado problemas na maioria das outras obras de reconstrução.
“Muitas vezes, é só na escavação que temos ideia do tamanho do problema”, diz Cleverton Batista, gerente de infraestrutura da Secretaria Regional do Estado em Blumenau.
Para o geólogo Juarês Aumond, professor da Furb (Universidade Regional de Blumenau), a opção do governo do Estado por obras estruturais, que usam grande quantidade de cimento, foi cara e inadequada. “O dinheiro foi mal aplicado e as obras, mal construídas”, diz. Os problemas motivaram o Ministério Público Federal em Blumenau a investigar as construções e a suposta falta de qualificação das empreiteiras. A investigação não está concluída.
Para Aumond, a drenagem dos morros e a readequação do terreno, com a construção de “degraus” nas colinas, seriam opções mais eficientes e baratas para evitar deslizamentos. Na época, a maioria das vítimas morreu soterrada.
Falhas de execução também são apontadas em um desassoreamento no Morro do Baú, em Ilhota, onde os deslizamentos deixaram comunidades inteiras isoladas no ano passado.
A geóloga Karel Jockyman, que esteve no local em outubro, diz que a obra está derrubando as margens do ribeirão, o que contribui para o assoreamento.
A geóloga e outros especialistas consultados pela Folha são unânimes em afirmar que os habitantes do Vale do Itajaí ainda correm risco. Em alguns municípios, grandes obras como reconstrução de pontes e estradas nem saíram do papel.
Das 78 mil pessoas que foram obrigadas a deixar suas casas no auge da tragédia em Santa Catarina, cerca de 9.600 ainda vivem em abrigos. A maioria delas espera a entrega das casas prometidas pelo governo estadual – só 5,3% delas foram concluídas até agora.
Em Blumenau, onde nenhuma casa foi concluída até hoje, a prefeitura teve que construir seis complexos de moradias provisórias para abrigar cerca de 300 famílias. Foram montadas divisórias em galpões para separar os desabrigados.
A maioria aguarda apartamentos em construção em terrenos comprados pela prefeitura. Incluídos no programa federal Minha Casa, Minha Vida, devem ficar prontos em abril. “Houve um longo processo burocrático”, diz o prefeito João Paulo Kleinübing (DEM).
Outro lado
O Deinfra (Departamento Estadual de Infraestrutura), responsável pela execução das obras, atribui os problemas ao curto prazo para a elaboração dos projetos e à ainda péssima condição do solo.
Segundo o gerente de obras do Deinfra, Adalberto de Souza, as equipes do órgão tiveram apenas dez dias para entregar os projetos das obras ao governo federal, em dezembro passado. “Não dá tempo de fazer uma sondagem completa em dez dias”, diz.
O gerente de infraestrutura da Secretaria Regional do Estado em Blumenau, Cleverton Batista, nega má execução do serviço e problemas com o custo das obras. “O problema é que nós começávamos as obras achando que era algo simples.”
Batista cita como exemplo um dos muros que caíram em Blumenau, cujo custo inicial era de R$ 150 mil. Destruída depois de uma forte chuva, em outubro, que movimentou uma colina abaixo dela a reconstrução da obra vai ficar entre R$ 850 mil e R$ 1 milhão.
“Ainda trabalhamos numa situação de risco. Esse tipo de problema pode acontecer”, diz.
O secretário da Agricultura de Ilhota, Almir César Paul, também diz que não há problemas no desassoreamento do rio no Morro do Baú. Segundo ele, a empresa que executa a obra está construindo “degraus” de terra ao redor das margens, a fim de ampliar a largura do rio.