O pensamento conservador tradicional se caracteriza pelo respeito às normas democráticas quando disputa o poder, quer vença, quer perca. Já a “nova direita” rompe a ordem acordada para impor suas idéias, mostrando ser o produto de uma alienação da própria atividade política, enquanto a ideologia fascista militariza seus princípios, tomando de assalto as instituições e criando uma estrutura totalitária de mando. Na macropolítica mundial, o crescimento do conservadorismo, segundo o sociólogo sueco Göran Therborn, se deu por conta de uma esquerda e centro-esquerda que não souberam administrar a crise econômica dos anos 1970, que não puderam evitar a ascensão do capitalismo financeiro na década de 1980, e que assistiram atônitos à queda do “socialismo real”, buscando, a partir de então, uma acomodação global, a qual permitiu o avanço de um projeto conservador[1].
O conservadorismo, que permeou a sociedade, chegou também à universidade. Se em décadas passadas esta influenciava aquela, a partir de 1980 o fenômeno se inverteu. Para Agustín Cueva, isso se dá como se tudo fosse comandado por um irresistível movimento na direção da direita, desde a grande política (Reagan, Thatcher, Nakasone, Kohl) até a literatura (a exumação de Mishima e o êxito dos relatos de Kundera), passando pelas ciências sociais (monetarismo, filósofos da “nova direita”, sociobiologia, historiadores da escola contrarrevolucionária francesa) e terminando com um renascer do misticismo em quase todo o mundo capitalista[2].
Na UFSC, parte da esquerda e da centro-esquerda – que não apenas lutou contra a ditadura militar, mas que também defendeu a universidade pública, gratuita e de qualidade, criando, inclusive, um sindicato combativo – se deslocou, mais recentemente, para posições conservadoras, tendo alguns migrados para a “nova direita” e um pequeno grupo avançado para posições fascistas. As razões internas para esta direitização generalizada em nossa universidade se devem a várias causas, tais como a) a busca pelo poder por meio de um cargo na estrutura da instituiçãod+ b) a vitória da administração central, nas últimas eleições para a reitoria, nos três segmentos de categoriasd+ c) o encerramento provisório do tema dos escândalos financeiros das fundações de apoiod+ d) o crescimento da interferência da reitoria sobre os sindicatos dos docentes, dos servidores e de alguns centros acadêmicos de estudantesd+ e) o incremento de assessorias e bolsas para professores, aumentando sua renda salariald+ f) a criação de cerca de duzentas funções gratificadas, permitindo que o reitor acomodasse um número significativo de pessoas na estrutura da universidaded+ g) a onda de crescimento e de expansionismo da universidade em Santa Catarina, que dá à administração central força para impor-se internamented+ h) e a capacidade extraordinária que a esquerda tem de se fragmentar a cada processo eleitoral.
Diante deste quadro, e com uma crise sistêmico-estrutural assustando muita gente, há uma corrida pela busca de um abrigo supostamente seguro na estrutura de poder. O ideólogo de ontem se tornou um pragmático de hoje, sem passar pela vergonha de ter de explicar seu passado rejeitado. O pensamento conservador avança para a direitização e passamos a presenciar, pela primeira vez na história da Universidade Federal de Santa Catarina, acontecimentos tais como: a) um pró-reitor – com o consentimento do reitor – processar dois professores por suas manifestações de opinião, fato este nunca ocorrido, nem mesmo durante a ditadura militard+ b) um professor do Conselho Editorial da EdUFSC, pertencente ao Departamento de Engenharia Elétrica, se contrapor a dois pareceristas favoráveis à publicação de um livro – sendo um deles de renome nacional –, com o claro objetivo de censurar um trabalho histórico-político sobre a Colômbia, já tornado público em três países por conta de sua relevânciad+ c) uma administração central que se nega a retirar um processo contra estudantes, criminalizando um movimento de jovens que luta por melhores condições de sobrevivência na instituiçãod+ d) decisões de conselhos e de colegiados que simplesmente são ignoradas por quem deveria implementá-las, o que caberia inclusive, dentro de uma ordem democrática, a figura do impeachment contra tais pessoas. Enfim, presenciamos o desrespeito às normas básicas de uma democracia burguesa.
Para agravar esta direitização, aparecem os fascistas, assumindo claramente uma posição antinegros, antiíndios, antihomossexuais, antibrancos pobres, antissindicatos de classe, anti-movimentos sociais, anti-partidos de esquerda e, por incrível que pareça, anticiências humanas e antifilosofia (sic). Chegam ao ponto de desejar a morte de pessoas pertencentes às categorias acima mencionadas. Se você tem dúvidas sobre estas afirmações, faça o favor de entrar na lista eletrônica de discussão da Apufsc e analise o discurso de muitos docentes que lá se manifestam. Ovos de serpente em incubação.
Diante desta situação, a direção do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) nada tem feito para se contrapor a tamanha direitização. Pelo contrário, coopera com as políticas conservadoras da reitoria ao não exigir um tratamento igual para todas as áreas do conhecimento dentro da universidaded+ ao não cobrar a urgente necessidade de uma biblioteca setorial de filosofia e ciências humanasd+ ao não defender que o CFH tenha uma infraestrutura como dispõem os demais centros de ensinod+ ao não assumir uma posição pública em defesa da autonomia dos sindicatos dentro da UFSC, hoje tomados pela administração central, com o auxílio direto do staff da instituiçãod+ ao não denunciar a estratégia da reitoria, de por meio de emissário nomeado com função gratificada, tentar “cooptar” politicamente centros acadêmicos do CFHd+ ao não se posicionar em favor de docentes e estudantes processados por buscarem melhores condições de trabalho na universidade. Enquanto a direção do CFH adota um “comportamento politicamente correto”, o chefe de gabinete do reitor não apenas assina uma lista solicitando uma assembleia para desfiliar a Apufsc do Andes-SN, como atua politicamente, por dentro da instituição, para tornar tal fato vitorioso.
Toda direção de Centro tem funções administrativas, acadêmicas, pedagógicas, intelectuais e políticas Abrir mão da última, pensando em levar vantagem nas demais, significa perder em todas. Bom relacionamento institucional com a administração central não significa submeter-se a sua estratégia. Aliás, a ambiguidade, para não dizer outra coisa, tem marcado o discurso da direção do CFH: um tom mais à esquerda para seu público interno, principalmente os estudantes, e uma subserviência em relação à reitoria. Tanto que os elogios trocados em público entre direção do CFH e reitoria tornaram-se uma constante.
A diretora do CFH, Roselane Neckel, precisa ter bem presente a história deste Centro na defesa de bandeiras tais como: as lutas pela manutenção da universidade pública, gratuita e de qualidaded+ a construção da carreira nacional dos docentes e seu ganho isonômico salariald+ a conquista da figura da dedicação exclusiva e a redemocratização da universidade em uma conjuntura de um duro enfrentamento com a ditadura militard+ e a fundação de um sindicato de docentes independente. Tudo isso custou tempo e vida de muita gente. Lembro que alguns professores, quando participavam de reuniões de greve em defesa destas causas, nunca esqueciam a escova e a pasta de dentes, já que não sabiam se voltariam para casa. Cabe, portanto, a esta direção regressar às suas origens, sem ser dogmática, mas sem negociar estas conquistas, e defender estes princípios, não transigindo diante de uma administração central que desatou as forças conservadoras da instituição, abrindo caminho para uma direitização.
Enganam-se também aqueles que fazem a luta por um sindicato de docentes independente, classista e na busca por uma sociedade mais justa e mais igualitária, fechando os olhos diante da atuação de chefes de departamento, de diretores de centro e de pró-reitores que realizam o jogo institucional do avanço da direitização na UFSC. Aliás, tudo indica que se as oposições tivessem eleito o seu candidato a reitor não se daria a ruptura da Apufsc e a direitização do Sintufsc. Todos aqueles que votaram contra o candidato que representava as forças progressistas, ou se abstiveram, cooperaram de alguma maneira para que tudo isso acontecesse em nossos sindicatos. Agora, possivelmente, muito gelo será enxugado.
A “nova direita” entende – como afirmava Welch – que as únicas vitórias políticas seguras só podem ser alcançadas por meio de organizações não políticas que disponham de um fim mais seguro, positivo e permanente que os fins políticos imediatos. Enfim, através de organizações que tenham base, coesão, força clara e uma direção estável, características impossíveis de serem encontradas nas instâncias tradicionais do partido político[3].
Portanto, cabe à direção do CFH atuar, também, no exercício da política nesta dura conjuntura de direitização em nossa universidade. Cooperar com o avanço do pensamento conservador na UFSC na perspectiva de angariar mais poder é servir a um projeto elitista, traindo o programa pelo qual foi eleita esta direção.
[1] THERBORN, Göran. Entrevista. Folha de S. Paulo, 13 set. 2009, Caderno Mais, p. 7.
[2] CUEVA, Agustin. El viraje conservador: señas y contraseñas. In: CUEVA (Org.) Tiempos conservadores:América Latina en la derechización de Occidente. Quito: Editorial El Conejo, 1987, p. 27.
[3] WELCH, Robert. The blue book of the John Birch Society. Belmont: Mass, 1958, p. 111.