A nova ordem global do século 21 tem feito com que os sindicatos patronais repensem seu papel e busquem formas para se fortalecer e se ajustar às várias mudanças pelas quais passam a sociedade e o próprio mercado.
Na opinião de Evaldo Alves, professor de Economia Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o despertar das entidades patronais, com a criação no ano passado do Programa de Desenvolvimento Associativo (PDA), uma iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para dar maior coesão e dinamismo aos sindicatos, federações e associações, já vem com atraso de algumas décadas. “Os patrões perceberam que se eles não se manifestassem de forma polarizada, na luta por seus direitos, alguém ocuparia esses espaços, com outras propostas, em detrimento da própria indústria nacional”, diz Alves. Com a globalização, que se acentuou a partir da década de 1990, e os novos parâmetros para a economia, os sindicatos patronais começaram a perceber que precisavam se organizar a fim de manter uma interlocução maior com o governo, com outros setores, com outros países, dentro de bases mais abrangentes.
Para o presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo), Alencar Burti, que é também presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), os esforços para o desenvolvimento de ações conjuntas precisam aumentar mais. “O que se vê é o governo mandando e desmandando e o empresariado acanhado. Isoladamente não dá para brigar, ou nos unimos e lutamos pelos interesses gerais do setor, ou definharemos nos próximos anos. O Brasil carece de uma reforma política urgentemente”, afirma.
O presidente da Fiat na América Latina, Cledorvino Belini, concorda com Burti. “As indústrias provaram ao governo que a redução de impostos é o caminho para o crescimento do país, mas ele teima em não aprender.” Belini destaca que se, por um lado, o país deixou de arrecadar R$ 750 milhões com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) neste ano, por outro lado, arrecadou R$ 740 milhões com PIS/Confins e R$ 800 milhões em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). “Estou movendo todas as confederações, a fim de reivindicarmos que se faça uma reforma política. O governo está pensando nele, mas não em nós, que geramos empregos e divisas”, afirma Belini.
O presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), Robson Andrade, afirma que, com o PDA, a oferta de serviços da entidade cresceu e isso faz com que as empresas tenham a percepção de que a taxa que pagam não é em vão. Segundo Andrade, a FIEMG é formada por 136 sindicatos, seis deles de base nacional, os quais aderiram ao PDA, com trabalhos de capacitação de seus líderes. “Temos focado na importância da troca de informações e suprimos as entidades com computadores. Também acredito que o sindicato patronal precisa adotar esse caráter profissional, o que não pode ser confundido com profissionalizar o sindicato”, destaca Andrade.
O diretor de Relacionamento com Sindicatos e Coordenadores Regionais da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Milton Wittig Bueno, revela que nos últimos anos os sindicatos paranaenses têm contratado executivos para imprimir uma gestão mais moderna e em sintonia com os novos tempos. “A Fiep até financia a contratação de alguns profissionais para os sindicatos com o intuito de fortalecer as entidades, pois as diretorias são passageiras e é preciso deixar pilares fortes para que a instituição sobreviva e cresça.”
De acordo com Bueno, a Fiep, com 65 anos de existência, congrega 97 sindicatos, totalizando 42 mil indústrias, a maior parte atuando nos setores metalúrgico e de construção civil. Segundo ele, o PDA tem feito com que os sindicatos repensem seu papel e um terço dos associados já adotou as medidas que constam do documento, como planejamento estratégico e financeiro.
O gerente-executivo de relações do trabalho e desenvolvimento associativo da CNI, Emerson Casali, conta que o PDA foi criado em 2008 com o objetivo de dar início à inovação que se faz necessária ao setor. “A intenção do PDA, que no mês de setembro entrou em sua segunda fase, é fortalecer a infraestrutura, discutir legislação trabalhista, carga tributária etc, visando ações mais integradas.” De acordo com Casali, a associação faz representação setorialmente, em busca de melhores condições para o ambiente de negócios em defesa de vários sindicatos. “Quando uma associação vai dialogar com o governo ela sai da ideia do favoritismo pessoal e pensa o setor. E não raro, essa reivindicação também poderá ajudar inclusive empresas de outros segmentos no mercado.”
A CNI comanda um sistema formado por 27 federações e 1.287 sindicatos patronais da indústria, que englobam 395 mil indústrias no Brasil. Segundo a CNI, sete setores concentram 88% dos sindicatos da indústria, sendo os mais expressivos os da indústria da construção e mobiliário (24,7% do todo), indústria de alimentação (21,5%), metalúrgicas, mecânicas e de materiais elétricos (14,8%) e vestuário (10,5%). Casali explica que, enquanto no sindicato você é vinculado de forma automática, numa associação você se associa somente se quiser. “Há dois aspectos que regem os sindicatos no país, a unicidade e a compulsoriedade”, lembra Casali. As associações são livres, e uma empresa, por exemplo, que trabalhe com pães, pode se vincular a uma associação de panificação ou de alimentos.
Segundo a CNI, na primeira etapa do PDA, que terminou em agosto, foram envolvidas 25 federações – 198 turmas passaram pelo curso de capacitação, com 4,1 mil certificados emitidos, 1,9 mil horas/aula ministradas, 1,45 mil participantes capacitados, além de 650 líderes também capacitados. Do planejamento estratégico participaram 22 federações, com 242 planos realizados e 790 pessoas envolvidas. O Sistema Integrado de Gestão da Arrecadação (Siga) abrangeu 24 federações – foi implementado em 15 federações e está funcionando parcialmente em outras nove federações.
De acordo com Casali, nesses treinamentos muitos líderes confidenciaram que pela primeira vez analisaram a razão de a existir de uma associação ou sindicato, descobrindo o importante papel que desempenham ou que deveriam desempenhar. Segundo o gerente, está sendo desenvolvido um software que vai ajudar na gestão dos sindicatos. No site www.sindindustria.com.br há links para 410 sites de entidades, com a previsão de ampliação deste número para 660 ao longo do ano de 2010.
O gerente-executivo da CNI explicou que no primeiro ano do PDA os focos foram direcionados para capacitação de lideranças, planejamento estratégico, criação do Siga, informatização dos sindicatos, criação de sites para as entidades, elaboração de um DVD de sensibilização para o associativismo e o desenvolvimento de serviços de informações tecnológicas – pontos que continuarão na pauta no segundo ano de PDA. No primeiro ano do programa, a confederação fez investimentos de R$ 5,4 milhões, número que deverá crescer 50% nesta segunda fase.
Casali diz que apesar da necessidade de modernização das entidades patronais, deve-se lembrar que o setor industrial tem atuado com transparência quando de suas reivindicações diante dos órgãos públicos e perante outros setores. “Nosso lobby é transparente, conjuntural e sempre técnico”, declara.
Milton Bueno, da Fiep, afirma achar lícito que se faça a aproximação dos parlamentares visando os interesses de um segmento, tal qual o faz a agricultura brasileira. “O que falta ao industrial é competência para realizar esse lobby. Perdemos até para os religiosos no Congresso”, lamenta Bueno. Segundo ele, falta capacidade de o segmento industrial criar representantes fortes no Congresso. Robson Andrade, da FIEMG, afirma que em seu Estado o setor da indústria consegue transitar bem entre as bancadas municipais, estadual e federal. “Temos feito nossa parte, mas com transparência e visando o interesse coletivo”, diz Andrade.
O professor Evaldo Alves, da FGV, lembra o leque de discussões também cresceu nos últimos anos e hoje os sindicatos patronais não se restringem mais à velha queda de braços na hora de fechar o acordo salarial dos funcionários. Atualmente, debate-se sobre sustentabilidade, dumping, commodities, participação de mercado, concorrência, leis, tributos, marcas, inovação tecnológica. “Outra coisa a destacar é que a discussão local quebrou barreiras e sofreu uma desterritorialização. Já fazemos interlocuções com a China, com o Leste Europeu etc.” Segundo Alves, o debate não se limita mais ao contexto nacional, além do que, nas multinacionais as discussões podem seguir para outros centros de negócios. De acordo com o especialista, um dos passos importantes que os sindicatos patronais deverão fazer daqui para a frente será estreitar laços com a América Latina. “Sempre estivemos de costas para a América Latina, com olhos voltados somente para Estados Unidos e Europa. Esses novos tempos pedem ações conjuntas latino-americanas.”
Na opinião do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, que representa 96 mil trabalhadores, toda sociedade que atingiu um nível avançado de desenvolvimento tem seus sindicatos de trabalhadores e patronais fortes. Segundo ele, o problema no Brasil encontra-se no monopólio da representação. “Se um sujeito colocar no estatuto que seu sindicato fará eleições no dia de Natal, todos terão de acatar.” Nobre diz que as indústrias brasileiras estão acordando para o mundo. De acordo com ele, o trabalhador compulsoriamente doa um dia de trabalho ao sindicato, mas a intenção é que a entidade amplie seu leque de serviços para ter autonomia. O presidente do sindicato afirma que as indústrias já realizam seus lobbies, e que não há nada de errado nisso, tal qual ocorre nos Estados Unidos e Europa. Apesar disso, acha que aqui essa atividade carece de maior transparência.