Apesar de o Brasil ter um Sistema Único de Saúde que pressupõe acesso universal, integral e equânime ao atendimento, sem desembolsos extras além dos impostos que todos pagam, 7% dos domicílios brasileiros, onde vivem cerca de 11 milhões de pessoas, já comprometem 20% ou mais do seu poder de compra com saúde.
O dado é de um estudo inédito da Universidade de São Paulo (USP), que reuniu pesquisadores da Faculdade de Economia e Administração (FEA), da Faculdade de Economia de Ribeirão Preto e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP Leste, entre outros. Medicamentos e planos de saúde são hoje as principais despesas de saúde das famílias brasileiras.
“Considerando que temos um sistema universal de saúde, que prevê a integralidade das coberturas, o grau de comprometimento deveria ser zero e não 20%”, afirma o professor da FEA Antonio Carlos Campino, diretor no Brasil do projeto Financiamento em Saúde e Proteção Social na América Latina, que também tem braços em outros seis países da região (mais informações nesta página). Os resultados do País, obtidos a partir de dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a última disponível, serão apresentados hoje na FEA de São Paulo durante o seminário Gastos Catastróficos em Saúde no Brasil. O evento é gratuito e aberto aos interessados.
Gastos catastróficos são aqueles que ultrapassam uma proporção da renda ou da capacidade de pagar dos cidadãos, podendo contribuir para o empobrecimento e dificultar o acesso à saúde. Diferentes estudos têm apontado que esse porcentual de comprometimento perigoso pode ser de 20%, 30% ou 40% da capacidade de pagamento (gasto total menos as despesas com alimentação).
No Brasil, apenas 1% dos domicílios atingiu o limite o máximo da capacidade de pagamento, mas, trocando em números, trata-se de 1,6 milhão de pessoas que têm esse nível de despesa com saúde.
O maior índice de comprometimento foi encontrado no Centro-Oeste do País, que atingiu 8% dos domicílios com 20% ou mais da renda engessada. O menor foi registrado na Região Norte, 5%. O Sudeste ficou na média nacional, com 7%.
Segundo Campino, o estudo levantou ainda quais fatores trouxeram maior risco de as famílias atingirem as faixas de gastos catastróficos. Foram eles: presença de idosos, adquirir um seguro ou plano de saúde e viver em áreas rurais. O envelhecimento é relacionado a uma alta dos gastos em razão do comprometimento da saúde, que pede, por exemplo, mais despesas com remédios. Já viver em áreas rurais significa ter menos acesso à rede de serviços públicos de saúde. O professor diz que houve maior risco de gastos catastróficos entre os que adquiriram planos de saúde porque muitas das carteiras de clientes do setor têm maioria de idosos, o que encarece os produtos, e contratos excludentes, o que obriga a mais desembolsos. Por outro lado, ter nível superior levou a um risco menor de gastos catastróficos, pois educação significa maior preocupação em prevenir doenças.
“Sou contra que, em um sistema universal, além dos tributos, os cidadãos paguem do próprio bolso”, diz o consultor Gilson Carvalho, também autor de trabalhos sobre o financiamento da saúde. “O desejo é que o governo coloque cada vez mais recursos na área.”