A farra de diplomas e certificados sem valor diante das autoridades locais e nacionais de educação avança além do ensino médio. Escolas do Distrito Federal oferecem cursos de pós-graduação no exterior e prometem revalidação dos diplomas em universidades federais brasileiras. Os alunos, porém, nem saem de casa. Tais iniciativas não têm autorização do Ministério da Educação (MEC) sequer para existir. Muito menos para emitir documentos que atestam mestrados e doutorados com carimbos de universidades europeias e latino-americanas.
O esquema chamou a atenção das universidades da capital do país com cursos reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do MEC responsável pela avaliação dos cursos de pós-graduação no Brasil. Instituições como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Goiás (UFG) recebem centenas de pedidos de revalidação desses diplomas por ano. Entre fevereiro e outubro de 2009, 25 trabalhos acadêmicos certificados por escolas estrangeiras acabaram rejeitados na instituição brasiliense — houve 75 pedidos no período.
A Faculdade de Educação da UnB recebeu 300 tentativas de revalidação em 2007, todas com carimbos de uma escola cubana. Acabaram negados pela Coordenação de Pós-Graduação. “A fraude era evidente. Todos tinham a mesma estrutura de texto”, contou o coordenador de Pós-Graduação em Educação da UnB, professor Gilberto Lacerda dos Santos. Segundo ele, o problema se repete com instituições portuguesas, espanholas, paraguaias e uruguaias. “Esses alunos nem saem do Brasil. Frequentam instituições fajutas.”
O caso provocou mudanças na política de revalidação da universidade federal brasiliense. Os pedidos estão limitados a 20 anuais por curso. Além das dissertações e das teses, devem vir acompanhados de comprovantes da passagem do estudante pelo país do certificado de conclusão de mestrado ou doutorado. Valem contratos de aluguel, contas de luz e de telefone e recibos no nome dos interessados. A UnB estuda representação no Ministério Público do DF para denunciar as tentativas de fraude.
A professora Denise Bomtempo de Carvalho, decana de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, destacou ainda a rigidez dos professores responsáveis pela
revalidação. “Não é qualquer universidade que será reconhecida pela UnB. Avalia-se, por exemplo, a qualidade e a compatibilidade do que é apresentado em relação ao curso que oferecemos”, explicou.
Flagrante
Alguns cursos surpreendem pela facilidade com que o estudante se torna um pós-graduado. Em um dos casos levantados pelo Correio, os alunos recebem diplomas de uma instituição de ensino superior da Europa. As aulas ocorrem aos fins de semanas. Os mestrados da Universidad de los Pueblos (UPE), oferecidos pelo Centro de Estudos Contemporâneos (Cescon), com sede em Taguatinga, têm duração de 24 meses. O aluno pode cursar educação ou administração e deve escolher um fim de semana por mês para frequentar as aulas.
O curso custa R$ 500, mas o valor pode ser abatido para R$ 400 caso o aluno pague as parcelas em dia. Na manhã da última sexta-feira, a reportagem ligou para o Cescon para saber como funcionam os mestrados da UPE. Ouviu que o diploma do curso costuma ser convalidado pela UnB (leia diálogo ao lado). Ao receberem uma ligação identificada da reportagem, representantes do Cescon reconheceram que a UnB não convalida os diplomas, mas disseram que outras instituições o fazem.
Em nota encaminhada por e-mail ao jornal, o Cescon diz que “não oferece cursos de pós-graduação a distância, embora ceda as salas para os cursos oferecidos pela UPE, já que o diretor do Cescon (Adelino Upale Rocha Matos) é representante no Brasil daquela instituição”. Acrescenta que o diretor reconhece “a necessidade de vir a UPE (a) se adequar às exigências do Ministério da Educação do Brasil” e encontra-se em contato com os dirigentes da universidade, na Espanha, para viabilizar o processo no Brasil.
A nota acrescenta que “todos os alunos matriculados no curso ofertado pela UPE, nas dependências do Cescon, são previamente informados das condições de oferta do mesmo, especialmente quanto ao fato de o Ministério da Educação do Brasil não revalidar os diplomas de egressos de cursos realizados no formato semipresencial”. Mesmo assim, atendente do centro sugeriu a convalidação ao ser questionada sobre o curso.
Inexistentes
Segundo o presidente da Capes, professor Jorge Almeida Guimarães, não existem cursos de pós-graduação a distância stricto sensu reconhecidos pelas autoridades de educação no Brasil. “Temos especialização e graduação. Pós-graduação exige dedicação exclusiva. E não é o que acontece com cursos que dizem ser feitos no exterior e nem mesmo isso acontece”, afirmou. A Capes tem 4 mil bolsistas fora do país, nenhum deles de pós-graduação. Mesmo nesses casos os diplomas precisam ser submetidos na volta do aluno ao Brasil.
Para Guimarães, o esquema comprova a mercantilização da educação no Brasil. “A educação virou um grande comércio. Muitas escolas se aproveitam de pessoas desavisadas. São instituições que trabalham na clandestinidade e respondem por falsidade ideológica e propaganda enganosa”, afirmou. A Capes recebe cerca de 500 pedidos anuais de novos cursos de pós-graduação. Em média, 200 são aprovados. A fundação do MEC estuda a possibilidade de se abrir a chance para o oferecimento de pós-graduação no exterior.
Estratégico
Criada em 1951, a Capes cumpre papel estratégico na qualidade do ensino superior e na formação de mestres e doutores. Subsidia o MEC na formulação de políticas nacionais para as áreas de educação básica, educação a distância e pós-graduação. Atua ainda na avaliação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), formação de recursos humanos no país e exterior, cooperação internacional, acesso e divulgação da produção científica e formação de pessoal qualificado para educação básica.
Regras
Confira os principais pontos da norma do Conselho Nacional de Educação, que cuida da revalidação de diploma de nível superior obtido no exterior:
Os graduados em instituição de ensino superior estrangeira devem requisitar a revalidação em instituição de ensino superior brasileira.
É importante que o graduado identifique a instituição de ensino superior brasileira devidamente reconhecida pelo MEC e autorizada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Os processos de convalidação de diplomas tramitam diretamente na instituição de ensino superior.
Todos os documentos apresentados devem ser autenticados pela universidade e pela autoridade consular brasileira no país que o expediu.
No caso dos certificados, títulos e diplomas de pós-graduação, só poderão conceder revalidação as universidades ou instituições isoladas federais de ensino superior que mantenham programa de pós-graduação com notas 4 ou 5 na última avaliação da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Pelo telefone
Na manhã da última sexta-feira, a reportagem do Correio entrou em contato com uma das atendentes da Cescon. Confira trechos da gravação que mostra como os cursos de mestrado da Universidade de los Pueblos é apresentado:
Cescon, Ruth, bom dia.
Ruth, eu queria tirar uma dúvida sobre os cursos de mestrado da Universidade de los Pueblos. Quais vocês têm?
Nas áreas de educação e administração.
A universidade fica na Europa?
Sim, aqui no Brasil tem um delegado oficial da universidade.
Mas eu tenho que ir para a Europa para fazer o curso?
Tudo é feito aqui, e essa pessoa que responde pela universidade da Espanha viaja para estar buscando o certificado do diploma dos alunos. Tudo que é passado para a gente é repassado para eles (universidade), em termos de documentação, matrícula. Todo o processo é feito online.
Então, eu não preciso passar de nenhuma forma por lá.
Não, a não ser que o aluno tenha condições e queira visitar. Mas o diploma tem que passar por uma convalidação no Brasil. Para reconhecer o diploma a nível nacional.
Quer dizer que quando eu termino o curso, ele não vale aqui ainda?
Não, é preciso solicitar uma convalidação à UnB Acho que a Universidade Católica também faz.
Esse é um procedimento simples?
Sim, é fácil, até porque a universidade (de los Pueblos) é reconhecida.
Tem alguém que não consegue revalidar?
Não, a gente nunca teve um problema como esse. Alguns alunos já finalizaram esse processo de convalidação e outros estão em andamento.
Mas é ensino a distância?
Isso, mas não totalmente a distância. Tem aulas semipresenciais. Uma vez por mês o aluno tem de ter um fim de semana disponível para o mestrado.
Voltando à questão, o diploma vale aqui no Brasil, desde que eu o revalide.
Isso, ele vale na Europa. Você vai só convalidar para a América.
Isso só pode ser feito por universidade federal?
Não. Existe uma pontuação na Capes para que uma instituição de ensino superior possa ter essa autonomia de revalidar ou convalidar diplomas. As maiores pontuações do DF são da UnB e da Católica. Mas tem uma terceira instituição com pontuação.
E se eu fizer o cursos no DF, posso convalidar o diploma em outro estado?
Pode. Em qualquer universidade em território nacional. Mas essa convalidação vai de universidade para universidade.
A convalidação depende da qualidade do meu trabalho?
Não. Você vai apenas apresentar seu diploma de mestre na área de educação, formado pela Espanha — porque seu diploma não chega que você fez curso a distância, até porque isso não é legalmente viável. Mesmo que o aluno faça educação a distância isso não pode estar discriminado no diploma.
Mas esse procedimento todo não configura educação a distância?
Sim, mas isso não pode estar discriminado no seu diploma. Você fez, a instituição sabe, os mestres que ministraram (as aulas), sim, mas o seu diploma não pode ter essa discriminação.
E eu não tenho problema por causa disso?
Não, não. No Brasil tem muito isso. Muitas faculdades e universidades oferecendo ensino a distância, mas algumas têm discriminado no diploma, e isso não é legal de acordo com a legislação.
Mas, então, não tem diferença?
Tem diferença no caso do seu diploma. Como profissional do mercado, não vai estar discriminado no diploma que você é “um mestre da área de educação a distância”.
Mas e o fato de eu ter feito a distância e eles não saberem? Eles podem me questionar se fui para a Espanha fazer o curso?
No momento da convalidação?
Isso. Não tem o perigo de eles me questionarem se eu estive na Espanha, de ter de provar?
Não, não há necessidade dessa entrevista.