Livros: sem censura

Lendo o Boletim 691, de 14 de setembro de 2009, especificamente o artigo “Censura na Editora da UFSC”, assinado pelo Prof. Waldir José Rampinelli, não consigo calar-me sobre os temas candentes aí citados. Já anteriormente tinha, Boletim 685, o mesmo Professor feito um panegírico do ditador vitalício Fidel Castro, tornado herói, descrevendo relatos bibliográficos do mesmo. Lembro que não é a verdade que conta e sim a versão dos fatos. Assim é escrita a História, como bem o sabe o Prof. Rampinelli.

Em relação ao que o professor chama de censura, acho um exagero. Os parcos recursos públicos devem ser muito bem aproveitados. Obras inéditas devem ser preferenciais. O livro proposto não foi sequer traduzido para o português, pelo que me parece. Mas, o que choca é a tentativa em desqualificar parte do corpo editorial por este ser da área da elétrica ou mecânica ou de outra qualquer, fora da área específica do livro. Obviamente quer o Professor Rampinelli ser o detentor de conhecimentos não atingíveis por pessoas de outras áreas. Mutatis Mutandis, professores de matemática, como eu, não podem mais discorrer sobre política ou sociologia, por haver reserva de mercado. Acho que o Prof Rampinelli está mais para censor do que para censurado.

A partir de um acesso não oficial ao parecer, o professor Rampinelli elenca 5 razões para a rejeição do livro que submeteu à publicação, atribuindo à uma parte dos professores do Conselho Editorial as seguintes qualidades: A- Têm preconceito contra Bolívia, Equador e Venezuela. B- Querem defender os Estados Unidos de crimes, porque estudaram lá. C- Não têm sensibilidade histórica. D- São cabeças mandadas da Reitoria (da direita). Lendo isto, concluo eu que o livro realmente não merecia ser publicado. Para mim os objetivos não justificam quaisquer meios.

Não posso encerrar os meus comentários sobre o artigo do Prof. Rampinelli sem achar graça da afirmação “à secretária de Cultura e Arte … (que se orgulha daquilo que deveria se envergonhar: defender a ideologia eurocêntrica”… Professor, os seguidores do socialismo e marxismo também não estão seguindo e defendendo uma ideologia eurocêntrica? Disto se envergonham? Num outro artigo, um grupo de autoras já tinha se referido a “conhecimento eurocêntrico”. Qual a “neura” com a Europa? Esta preferência seletiva e este jogo de palavras são  ridículos.

Mas, indo ao objetivo desta minha digressão, abordo um pouco do que ultimamente me apareceu de agradável no campo dos livros. Desde que o muro de Berlim foi desmontado, pedra a pedra, surgiram bons autores que investigaram  o lado oculto do totalitarismo do leste europeu e até do extremo oriente. Para amantes da leitura como eu, aposentado, pratos cheios estão à mão. Li muitos livros e gostaria de ler alguns que não consegui. Não consegui ainda ler, por exemplo, o livro de Hitler, “Minha luta”, cuja venda, surpreendentemente,  é proibida no Brasil. Entrei na fila da Biblioteca da UFSC para conseguir o livro como empréstimo e lá pelas tantas tinha meu nome sido tirado dela! (forças ocultas?)

À baixo abordo alguns livros que achei muito interessantes, seja pela clareza e oportunidade com que os assuntos são abordados, como também pela qualidade e nível de seus autores. Vale à pena conferir.

1-A Vingança de Marx, de Meghnad Desai – F-QM Editores Associados Ltda – 2004 (479 pgs)

O livro varre as várias teorias econômicas, centrais e periféricas, ressaltando o socialismo e o capitalismo. Segundo o autor do livro, Marx não amava o capitalismo, mas estudou profundamente a sua dinâmica, porque queria descobrir as forças que o levariam ao fim. Segundo Marx, o socialismo só terá vez quando o capitalismo esgotar o seu potencial. A persistência da dinâmica do capitalismo no princípio do século XXI, segundo  Desai, “é a vingança de Marx contra os marxistas – todos aqueles que, em seu nome, mentiram, roubaram, assassinaram e propagaram falsas esperanças”. É famosa a observação de Marx “que  na medida em que ele se entendia, não era um marxista”. Lenin, no início de seu poder, era coerente com este Marx.

O livro ainda envolve questionamentos interessantes, como: Quando será o fim do capitalismo? O socialismo pode funcionar? O apogeu do socialismo. O futuro do capitalismo.

2-Stalin – A corte do Czar Vermelho, de Simon Sebag Montefiore, Companhia das Letras – 2003 (860 pgs)

Este livro aborda, de forma fascinante a vida deste grande líder, desde a candura no trato familiar até a instalação do matadouro humano em plena Moscou. O livro está baseado na documentação existente dos fatos, agora tornada disponível, e em relatos testemunhais obtidos pelo autor junto a sobreviventes. Vale a pena ler.

3-Simon Bolivar, por Karl Marx – Martins Editora Livraria Ltda – 2001 (76 pgs)

Curioso por saber algo a respeito do coqueluche sulamericano do momento, o socialismo bolivariano, adquiri o único título que encontrei na Livraria Catarinense. Para minha surpresa, tratava-se de um livro de Karl Marx. A Introdução do livro foi elaborada pelo intelectual marxista argentino José Aricó e o Epílogo por Marcos Roitman Rosenmann e Sara Martinez Cuadrado, ambos professores da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidad Complutense de Madrid.

Confesso minha anterior total ignorância a respeito  de Simon Bolivar, considerado por muitos um herói e tornado incólume por quase todas as vertentes políticas da América Latina. Como os fatos relatados por Marx são aceitos como historicamente verdadeiros, o livro para mim foi uma surpresa bombástica total. Segundo Aricó, Marx, para contrariar a visão da época, nadou contra a corrente, precisando para isto conhecer perfeitamente todos os fatores que incidiam sobre a elaboração de seu texto. Logo não podia pecar pela inverdade.

Com um objetivo claro de desmistificar o herói Bolivar, Marx narra uma sequência de ações e fatos onde covardia e brutalidade são muito mais adequados do que heroísmo. Talvez este tipo de abordagem tenha deixado este livro tanto tempo no ostracismo. Realmente, conhecendo a história, é preciso muita boa vontade para não dar razão a Marx.

No Epílogo, Rosenmann e Cuadrado avaliam que para Marx pesou muito o fato de Bolivar ser de família mantuana e pertencer à nobreza crioula, além de ser “latifundiário, riquíssimo, proprietário de minas e escravos. Ele não só interpretou os interesses de sua classe, como também os defendeu contra a pequena burguesia liberal e as massas populares ainda inconscientes”. Bolívar, para suas conquistas, teve o apoio da Inglaterra e outras potências. Como poderia ter ele servido ao chamado “bolivarismo democrático e antiimperialista”? Concluem os autores do Epilogo,  que “se Bolivar fosse vivo, com certeza não estaria entre os estudantes e operários”.

Colegas, o livro é pequeno mas muito denso. É interessante ver o embate do principal ideólogo do socialismo contra aquele que hoje estão tomando por inspiração na América Latina.