“Sabemos o que queremos e não precisamos de intermediários”

Na última quinta-feira, dia 15, o Boletim da Apufsc entrevistou, por e-mail, José Lopes de Siqueira Neto, professor do Departamento de Ciências da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)  e presidente do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte e Montes Claros (APUBH), que passou pelo processo de desfiliar-se do Andes e transformar-se em sindicato autônomo.

Siqueira iniciou sua militância no Movimento Docente quando participou dos comandos local e nacional durante a greve de 1998. Entrou para a diretoria da APUBH em 2006 e agora comanda a gestão 2008-2010.

A seguir, o professor conta um pouco de sua trajetória, da história do Sindicato e de suas relações com Andes e Proifes:

Boletim da Apufsc – Qual sua trajetória dentro da academia e do movimento sindical?

José Lopes de Siqueira Neto – Entrei para a UFMG em 1994 e participei do comando nacional de greve em 1998, pela primeira vez, pois queria ver, como professor da base, o que ocorria com as propostas da UFMG que nunca eram passadas para as outras assembleias docentes para discussão. Foi quando me deparei com todo tipo de manipulação por parte da diretoria da associação nacional e decidi, junto com meus colegas da UFMG, que deveríamos fazer o que estivesse ao nosso alcance para deixar de ser massa de manobra de partidos e outros grupos alheios ao movimento docente e tornarmo-nos autônomos e independentes. Afinal, nós, da UFMG, sabemos muito bem o que queremos como docentes e não precisamos de intermediários manipuladores que nos atrapalhem para conseguir nossos objetivos.

Boletim – Qual é o histórico das relações entre a APUBH e a Andes?

Siqueira – A APUBH participou da fundação da Andes e, em 1991, como desejávamos e desejamos ainda hoje um sistema federativo para a representação nacional do movimento docente, meus antecessores no movimento docente na UFMG decidiram que a Apubh permaneceria com seu patrimônio e afiliados independentes da Andes, já que essa iria se transformar em um sindicato nacional. Com isso, a Seção Sindical na UFMG só existiu enquanto houve vontade política da base da UFMG em manter essa relação. E essa relação cessou de existir quando fundamos o Proifes em 2004, juntamente com a ADUFG, ADUFSCAR e ADUFMS. Mas a ruptura de fato só veio a se concretizar em maio de 2007, com a transformação da Apubh em Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte e Montes Claros.

Boletim – Quais os motivos da ruptura com o Andes?

Siqueira – Não precisamos de intermediários para pensarmos o movimento docente, especialmente quando não há relação de confiança entre a nossa base e a direção da representante nacional. Prezamos nossa autonomia e independência e queremos construir um movimento docente baseado no respeito à divergência de opiniões e, sobretudo, da nossa base, nossos colegas professores.

Boletim – Como foi o processo de transformação da APUBH de seção sindical em   sindicato próprio?

Siqueira – Pelo fato dos dirigentes da Apubh que participaram da criação do sindicato nacional em 1991 não confiarem na condução do movimento quando da criação do sindicato nacional por parte da Andes, a Seção Sindical da Apubh era independente desta última. Isso facilitou muito o processo da criação do sindicato local em Belo Horizonte, pois bastou realizarmos uma assembleia estatutária da associação, com quorum qualificado de 5% dos seus filiados (cerca de 140 professores), para modificar o seu estatuto e transformá-la em sindicato. Com isso, como um sindicato local não pode ser filiado a outro sindicato, de abrangências municipal, estadual ou nacional, a Apubh, no momento mesmo da sua assembleia de transformação em sindicato, se desvinculou formalmente da Andes.

Boletim – Qual o andamento do processo de pedido de registro do sindicato autônomo?

Siqueira – Esperamos uma decisão do Ministério do Trabalho e Emprego há um ano e 10 meses.  Segundo o ministro do Trabalho, em audiência recente em Brasília em que estivemos presentes, só teremos que esperar um pouco mais para que se resolva a questão do pedido do Proifes Sindicato Nacional, cuja criação a UFMG não aprovou em assembleia.

Boletim – Como analisa a fundação do Proifes-Sindicato?

Siqueira – Fizemos uma assembleia eletrônica na UFMG e nossa base foi contra a criação do Proifes Sindicato Nacional. Além disso, a assembleia decidiu que Apubh deveria enviar delegados para, formalmente, votar contra a criação desse novo sindicato nacional. Assim, o Proifes sindicato nacional teve quatro votos contrários à sua criação, todos de delegados da UFMG.

Esse processo de criação do sindicato nacional por parte do Proifes teve duas grandes consequências: 1- precipitou a obtenção do registro sindical por parte da Andesd+ e 2- atrasou o processo de criação de sindicatos locais e da federação que almejamos.

Boletim – Qual seu posicionamento a respeito da criação de uma Federação de Sindicatos autônomos?

Siqueira – Para nós, professores da UFMG, a federação de sindicatos locais é o modelo mais representativo do que as bases querem. Afinal, um sindicato local está voltado para a realidade de cada universidade, onde a administração central, como no caso da UFMG atualmente, não faz nada em prol dos docentes, como por exemplo, o repasse da verba de saúde suplementar para quem não aderiu ao modelo aprovado pela UFMG.

Esse repasse está autorizado pelo Ministério do Planejamento desde 31 de julho de 2009. Há muitos outros exemplos de desrespeito aos direitos dos docentes por parte da administração central da UFMG. E quem vai lutar por esses direitos? Um sindicato nacional alienado e alheio ao que se passa na UFMG ou um sindicato local próximo ao cotidiano dos professores porque sua diretoria é da base também?

No entanto, se um sindicato local está afinado com as demandas locais, nossas lutas também são nacionais e precisamos nos organizar nesse plano para obtermos sucesso em nossas lutas. Por isso, acreditamos que uma federação de sindicatos locais tem todas as vantagens da representação local quanto nacional. Além disso, uma federação não impõe nada a seus filiados, pois os docentes são filiados a sindicatos locais, que têm obrigação de defender os direitos da sua base, mesmo que isso contrarie alguma diretiva vinda da federação. Ou seja, os docentes têm o melhor que o sindicalismo pode oferecer: autonomia e independência.

Boletim – Quais as questões centrais que o sindicalismo docente deve enfrentar no momento atual?

Siqueira – A principal é a questão da sua autonomia e independência para organizar-se como deseja. Se o sindicato nacional deixou de representar suas lutas e seus interesses, então que o movimento docente se reinvente e se transforme para trazer aos docentes respostas concretas aos seus anseios. Também, se somos representantes de professores que pesquisamos, formamos pessoas que aprendem a pensar, temos obrigação de pensar e repensar nosso próprio movimento. Não podemos aceitar que um grupo de pessoas passem a dizer o que podemos ou não pensar, porque isso não convém a esse grupo de pessoas que queriam, por exemplo, derrubar o governo democrático legalmente constituído em nosso país, como aconteceu na greve em 1998.

Acostumados a praticar o livre pensar, não podemos aceitar um grupo de pessoas que não respeita o debate e não aceita opiniões e ideias diferentes das suas. Isso é o contrário da democracia.

Boletim – Como o sr. avalia a proposta de carreira apresentada pelo Ministério do Planejamento (MP)?

Siqueira – A Apubh fez uma proposta de carreira sem a criação de uma nova classe, como o Proifes e também o MP propõem. A razão é que a criação da classe de professores associados em 2006, por iniciativa do Proifes, trouxe prejuízos aos aposentados e pensionistas. Portanto, a proposta de carreira apresentada pelo MP traz o mesmo vício embutido e, com ele, mais prejuízos aos aposentados e pensionistas. Nós somos contra isso.

Além do mais, não há razão para uma nova classe. A discussão sobre carreira deve privilegiar o futuro e não o passado. A criação de uma nova classe na proposta do Proifes, juntamente com uma regra de enquadramento pelo topo da carreira, traz benefícios para quem esteve como adjunto 4 há muito tempo, na carreira antiga. Mas para quem entra, isso não importa.

Também, com a nova classe, os docentes que ingressarem após sua vigência terão o direito à progressão a cada ano e meio. Isso é algo esdrúxulo, que interfere na vida acadêmica do docente de forma totalmente inadequada. E, para piorar, a proposta do MP põe a nova classe acima da classe de associado.

Como cada universidade decide, autonomamente, seus critérios de progressão, a progressão para a classe sênior, como o MP chama a nova classe em sua proposta, será um verdadeiro concurso para titular em algumas universidades, como já é o caso para ascensão à classe de associado. Isso é inaceitável, pois muitas universidades não têm concurso para novas vagas para titular há anos e só fazem concursos par repor vagas já existentes. Portanto, a progressão para a classe sênior servirá com desculpa para não se pleitear novas vagas para titular nessas universidades.