Da pequena Iturama, cidade com 35 mil habitantes no Triângulo Mineiro, saiu a primeira decisão trabalhista que se tem notícia mantida em segunda instância que condena uma empresa ao pagamento de indenização por “dumping social”. O nome adotado se refere à prática de redução de custos a partir da eliminação de direitos trabalhistas, como o não pagamento de horas extras e a contratação sem registro em carteira de trabalho. No caso julgado, a reparação não foi requerida pelo advogado do trabalhador, um ex-empregado do Grupo JBS-Friboi. O próprio juiz, o paulistano Alexandre Chibante Martins, do Posto Avançado ligado à Vara do Trabalho de Ituiutaba, a aplicou por iniciativa própria, baseado em um enunciado da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
A tese foi aceita pela Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais. Os desembargadores decidiram manter a sentença que condena o frigorífico ao pagamento de indenização de R$ 500 ao ex-empregado. Na avaliação dos magistrados, as repetidas tentativas da empresa de desrespeitar os direitos trabalhistas configuram a prática de dumping social. “Verifica-se que está caracterizado o dumping social quando a empresa, por meio da burla na legislação trabalhista, acaba por obter vantagens indevidas, através da redução do custo da produção, o que acarreta um maior lucro nas vendas”, diz o desembargador Júlio Bernardo do Carmo, relator do caso.
De acordo com o processo, foram julgados, desde 2008, cerca de 20 ações propostas contra a empresa, todas reclamando horas extras não pagas. Os ex-empregados alegam também que eram submetidos a uma excessiva jornada de trabalho, permanecendo na empresa por mais de 10 horas diárias. O Grupo JBS-Friboi já ajuizou recurso contra a decisão no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O advogado da empresa, Leandro Ferreira de Lima, refuta as acusações e destaca que a maioria do desembargadores do TRT de Minas tem derrubado as condenações por dumping social. “Só a Quarta Turma adotou este entendimento”, diz.
O dumping social não está previsto na legislação trabalhista. Mas um enunciado da Anamatra, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizado em 2007, incentiva os juízes a impor, de ofício – sem pedido expresso na ação -, condenações a empresas que desrespeitam as leis trabalhistas. De acordo com o enunciado, “as agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido dumping social, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la”.
Os juízes trabalhistas importaram do direito econômico as bases para a aplicação de sanções às empresas. A tese do dumping social ainda é pouco usada no Judiciário. De acordo com o juiz Jorge Luiz Souto Maior, da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí (SP), um dos maiores estudiosos do tema, há decisões de primeira instância proferidas em Goiás, Rio Grande do Sul e São Paulo, além de Minas Gerais. E, por ora, somente uma mantida em segunda instância. São condenações que chegam a R$ 1 milhão e que foram revertidas, em sua grande maioria, a fundos sociais – como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – e entidades beneficentes. “É uma decisão difícil de ser dada. O magistrado precisa conhecer bem o histórico da empresa”, diz. “As agressões aos direitos trabalhistas causam danos a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação ou que, de certo modo, se veem forçados a agir da mesma forma.”
Souto Maior, que já proferiu várias sentenças sobre o tema, entende que não se deve destinar a indenização ao trabalhador, uma vez que a prática de dumping social prejudica a sociedade como um todo. O juiz Alexandre Chibante Martins, do Posto Avançado de Iturama, preferiu, no entanto, beneficiar o ex-empregado do Grupo JBS-Friboi em sua decisão. “Foi ele quem sofreu o dano”, afirma o magistrado, que vem aplicando a tese do dumping social desde o início de 2008. “Não tem sentido destinar os recursos a um fundo social.”
O advogado e professor do direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marcel Cordeiro, do escritório Neumann, Salusse, Marangoni Advogados, considera as decisões “plausíveis”. Mas entende que a tese do dumping social tem que ser usada com cautela pelo Judiciário. “A decisão precisa ser muito bem fundamentada”, diz. “Certamente, isso ainda vai dar muita dor de cabeça para o empresariado”.