De positivo, as descobertas do pré-sal reacenderam as esperanças de um longo e duradouro ciclo de desenvolvimento econômico e social. De negativo, o debate público de curto prazo dificulta o equacionamento do déficit educacional, científico e tecnológico, responsável em grande parte pelo nosso atraso. Os benefícios do pré-sal somados ao potencial de nossos recursos renováveis – em que se destaca o etanol -, mais as possibilidades de armazenamento em águas profundas de grandes quantidades de carbono, de modo a mitigar efeitos do aquecimento global, formariam um poderoso tripé capaz de alavancar um longo ciclo de desenvolvimento.
Sua efetividade, porém, exige que tanto o setor público como o privado se mantenham obsessivamente orientados pela busca permanente da qualificação dos recursos humanos e da inovação tecnológica.
O pré-sal abre uma janela de oportunidade para que a Petrobrás dê um salto em seu domínio tecnológico e que firmas nacionais se transformem em empresas de classe mundial. A produtividade das firmas na indústria é especialmente afetada pelos rendimentos crescentes de escala. Nesse sentido, as compras da Petrobrás serão suficientes para estimular as firmas brasileiras a construírem um padrão de competitividade global. Para isso uma política industrial do pré-sal não se pode restringir à definição de um nível mínimo de conteúdo nacional, pois as empresas estrangeiras aqui instaladas não elevarão a competitividade brasileira automaticamente.
A política da Noruega para o petróleo foi citada à fartura nos últimos meses. Pouco se falou, porém, sobre as decisões críticas que os noruegueses tomaram para desenvolver ativamente um aparato tecnológico com forte ênfase no conhecimento nacional. A Noruega construiu um novo marco regulatório e dotou-se de um fundo para se garantir das flutuações dos mercados. Seu maior acerto, porém, foi focalizar seu investimento em educação e na implementação de uma política industrial voltada para gerar conhecimento e tecnologia, de modo a ampliar e diversificar suas exportações e elevar o padrão de participação de sua indústria nas cadeias globais de maior valor agregado.
No Brasil, as pressões operacionais e financeiras por resultados imediatos tendem a tratar o pré-sal como fonte imediata de riqueza. O petróleo, assim, será apenas mais uma commodity, como tantas outras em nossa História. O pré-sal, no entanto, pode ser entendido como um passaporte para o domínio de conhecimento novo, capaz de empurrar nossas empresas para a engenharia de projetos e logística, a fabricação de equipamentos e componentes complexos e para o reino dos compósitos e novos materiais.
O nó da questão é que o pré-sal coloca problemas que ninguém sabe ainda como resolver. Mesmo as firmas estrangeiras que dominam grande parte do processo de extração do petróleo terão de desenvolver tecnologias hoje desconhecidas. E não há nenhum motivo para que o Brasil fique de fora desse formidável movimento de capacitação, que repercutirá em toda a nossa economia, e na economia global, nos próximos 30, 40 ou 50 anos.
O Brasil possui um sistema de inovação ligado à produção petrolífera que é altamente competitivo em algumas áreas. Esse sistema pode ser ampliado e aperfeiçoado para a produção de novos equipamentos submarinos. Os processos responsáveis pela produção do que se chama “árvore de Natal molhada”, de umbilicais, dutos e linhas flexíveis, os mais promissores e dinâmicos do ponto de vista tecnológico, podem contar com participação brasileira, desde que se construa um sistema de apoio, de financiamento – com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à frente – e de articulação entre o mundo das empresas e o da pesquisa.
Grande parte desses equipamentos submarinos já é produzida no Brasil por empresas multinacionais. A nacionalização dos insumos para produção de tubos flexíveis já é superior a 85% e no caso da “árvore de Natal molhada” supera os 70%. No caso dos umbilicais, o conteúdo nacional é menor e não chega a 40%. As especificidades técnicas de cada poço de petróleo exigirão desenvolvimento e aprendizado de todas as empresas envolvidas na exploração do pré-sal, a começar das multinacionais, que já instalam centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, ao lado do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobrás (Cenpes).
O domínio, mesmo que parcial, nas áreas de engenharia, novos materiais e nanotecnologia – cujo alcance não se restringe à indústria do petróleo, mas penetra em outras áreas, como na indústria aeronáutica e aeroespacial – por um grupo de empresas nacionais encurtaria a distância que nos separa dos países que hoje produzem na fronteira tecnológica. Escolhas desse tipo, porém, dependem de articulação entre os setores público e privado, de grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento e de uma boa dose de ousadia. Principalmente para combinar as competências da Petrobrás com a inteligência instalada em nossos centros de pesquisa, em nossas empresas e universidades.
O importante é que essa realidade pode ser alcançada. A competitividade do etanol – com as pesquisas de segunda geração em curso -, aliada ao pré-sal – com políticas adequadas para incorporar e gerar inovação e tecnologia – pode diferenciar definitivamente o Brasil no mapa energético mundial.
Glauco Arbix, professor da Universidade de São Paulo, é coordenador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados (USP)
João Alberto de Negri é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Evando Mirra de Paula e Silva, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é diretor da Academia Brasileira de Ciências