Os alunos cotistas da Universidade de Brasília (UnB) têm aproveitamento acadêmico semelhante ao de seus colegas não cotistas. Em alguns critérios sobre o desempenho discente, a diferença é favorável aos cotistas. A informação é da decana de Ensino de Graduação, Márcia Abrahão Moura. De acordo com os dados apresentados pela professora, o Índice de Rendimento Acadêmico dos alunos cotistas é de 3,58 contra 3,63 obtidos pelos não cotistas (a nota máxima é 5). “É praticamente irrisória a diferença”, defende Márcia.
Segundo Márcia Moura há proporcionalmente menos cotistas desistentes dos cursos universitários do que os não cotistas. Os cotistas tem menos processos na comissão de acompanhamento e orientação acadêmica. Eles representam apenas 6,6% dos processos, menor que a proporção deles na universidade (em torno de 10%, 2.990 alunos).
“O percentual é muito menor do que imaginavam os contrários às cotas”, aponta a decana que também assegura que “não existe retenção [reprovação] maior de cotistas do que dos não cotistas”.
“O rendimento é o mesmo. Nós estamos conseguindo formar bem os alunos independentemente da origem”, sintetiza Márcia Moura.
A política de cotas foi implantada na UnB no segundo semestre de 2004. Mais de 280 estudantes cotistas já se formaram na universidade que promete fazer um levantamento sobre o aproveitamento de seus ex-alunos no mercado de trabalho.
Por enquanto, a decana avalia que a universidade está se transformando. “A universidade mudou para melhor. Tem uma diversidade maior de alunos e uma convivência de pessoas diferentes que vem de camadas sociais e escolas diferentes.”
Na avaliação de Aline Costa, vice-coordenadora do Projeto AfroAtitude da UnB, e já formada em pedagogia, “a universidade mudou bastante porque teve que se repensar para poder nos incluir”. “Existia um único padrão, padrão de pensamento, padrão de comportamento, um padrão acadêmico”, diz Aline que foi da primeira turma de alunos cotistas a entrar na instituição.
Segundo Aline, a presença dos estudantes negros na universidade é emblemática. “Dentro de uma sala, onde todo mundo faz parte de uma elite, onde todo mundo tem um único projeto de vida, a gente, com as nossas trajetórias, muda a realidade, a gente muda o discurso. Visualmente é fato que a gente já conseguiu colorir a universidade.”
Para a formanda em antropologia Natália Maria Alves Machado, a política de cotas conseguiu unir pessoas de realidades completamente distintas que passaram a ter um convívio cosmopolita na universidade. “No AfroAtitude, a gente tem quilombola, tem gente que mora na cidade. Tem gente que tem a cultura hip hop de periferia, tem gente ultra evangélica. Tem uma heterogeneidade interna muito grande.”
O ingresso na universidade pública por meio do sistema de cotas também faz com que esses alunos habitem mundos bastante distintos. “Você é morador de periferia, mas você não é como seus vizinhos nem está nos espaços que as pessoas da sua comunidade estão. Ao mesmo tempo, você está na universidade com outras pessoas de outro status cultural e você também não é igual a eles”, analisa Natália Maria. Segundo as estudantes, no convívio com as diferenças, identidades foram reveladas. “Eu passei por um processo muito bacana de identificação. Não que eu não soubesse que era negra, mas foi um processo de análise, reflexão e entendimento de tudo que acontecia na sociedade”, afirma Luiana Maia do quinto semestre de História.
A estudante Jade Dantas, do quarto semestre de biblioteconomia, também revela que a condição de universitária ajudou a criar uma identidade própria. “A minha mãe é branca. A gente não foi criada com essa identificação. Eu não tinha consciência do tamanho que isso era.” Segundo Jade, frequentar a UnB não estava nos seus planos sobre o futuro. “Quando eu era criança ninguém falava em universidade ou fazer ensino superior. Nunca tive visão de futuro nesse sentido, nem na escola nem no ensino médio”, conta. A entrada na universidade abriu novas perspectivas não só para Jade mas para toda a família “Hoje eu já sou uma referência. Minha irmã já fala: ‘minha filha vai fazer faculdade como a minha irmã’. Mudou muito a perspectiva. A minha escolha como cotista alcançou a minha família”, assinala. Humberto Borges, terceiro semestre de letras tem uma história semelhante. Foi o segundo da família a entrar no curso superior e o primeiro em uma universidade pública. “Minha sobrinha diz: acho que eu vou ser que nem a tia Isadora e o io Humberto, eu vou ser professora também”.
No início da implantação da política afirmativa da UnB havia o temor, dentro e fora da universidade, de que o convívio forçado pelas cotas pudesse gerar conflitos, manifestações de intolerância e racismo. O cenário projetado, apesar de alguns episódios, não se confirmou.
“Ninguém que não era um racista violento ia se tornar por causa das cotas. Existe esforço de convivência? Existe, mas em que sociedade humana não existe? Que encontro de diferenças não tem isso? Que contato intergrupal, interétnico ou internacional não tem o esforço de convivência? Se existe política de inclusão é porque tinha alguém que estava excluído”, analisa a futura antropóloga Natália Maria Alves Machado.