Direito líquido e certo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem dado decisões favoráveis à nomeação de candidatos aprovados e não convocados em concursos. Em agosto houve o caso de um grupo de dentistas do Amazonas e, este mês, um candidato da Bahia conseguiu o direito de ser nomeado após a desistência de um candidato. Embora essas decisões não tenham poder de alterar os processos em andamento, servem como orientação para os juízes de primeira e segunda instâncias. “É uma luz no final do túnel, algo que deve ser muito festejado”, analisa Sylvio Motta, 47, vice-presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio ao Concurso (Anpac).

Antes, a Justiça brasileira considerava que nenhum candidato tinha garantia de nomeação. Existia apenas a chamada “expectativa do direito”. “Ficava a cargo do órgão público, realizador do concurso, por sua liberalidade, nomear ou não o candidato aprovado, demonstrados os fatores de interesse, necessidade e disponibilidade do
orçamento”, lembra a advogada Valéria Lúcia de Carvalho Santos. Mas isso mudou recentemente.

EVOLUÇÃO

Primeiro, o STJ passou a atribuir direito de posse quando a administração pública contratava funcionários temporários durante a vigência de concurso público para a mesma função. O movimento seguinte foi a interpretação de que mesmo que não houvesse a contratação de temporários, todos os aprovados teriam direito a ser nomeados dentro da validade do concurso.

“Hoje, o entendimento é de que há uma vinculação, ou seja, o edital divulgado obriga o órgão público a nomear todos os aprovados dentro das vagas, pois é considerado como se um contrato fosse, onde cada parte deve cumprir com suas obrigações: a do candidato de ser aprovado dentro do número de vagas e a do órgão público de preencher as vagas divulgadas”, avalia Valéria.

No mandado de segurança contra a Secretaria de Saúde do Amazonas, o STJ decidiu que há o direito à nomeação mesmo que a vigência do concurso tenha expirado e sem a
contratação temporária de terceiros.

O advogado Geraldo da Silva Frazão alegou a necessidade e a existência dos recursos para a contratação.

“Havia milhares de não-concursados desde 2001 admitidos por meio de processo seletivo ou contrato de regime especial em situações diversas das permitidas por lei, ou seja, simplesmente mediante a comprovação de grau de instrução, curso técnico ou superior e tempo de serviço para diversos cargos. Uma vez que há vagas, elas devem ser preenchidas por aqueles que foram aprovados em concursos,” diz Frazão.

FRUSTRAÇÃO

Camila (nome fictício), 30 anos, é uma dos sete profissionais que participaram da ação. Ela fez curso preparatório, além de aulas extras de português. “Decidimos entrar com o processo ao perceber a demora nas nomeações. Era muito frustrante ter sido aprovada e não ser convocada porque a secretaria dizia que não havia locais suficientes para lotação, enquanto isso havia temporários ocupando os cargos”, contou. Mover a ação em grupo permitiu que as despesas com a ação fossem divididas entre eles.

Após três anos na Justiça, saiu adecisão do STJ. No meio deste período, ela foi convocada, por isso preferiu não ser identificada na matéria.
Apenas três dos candidatos que participaram da ação ainda não tomaram posse. Ainda cabe recurso à Secretaria de Justiça do Amazonas.

SAIBA +

Fique atento ao prazo de validade do concurso e se será prorrogado.

Concursos podem ter duração de 60 dias a dois anos, sendo prorrogáveis pelo mesmo período.

O prazo de validade começa a partir do resultado final (homologação), com a publicação da lista dos aprovados, e vai até o final do período da prorrogação.

Para dividir as despesas, os candidatos podem entrar com outros colegas.

Posse oito anos depois Em São Paulo, o advogado Sidnei Alzidio Pinto teve vitória no STJ para a causa de Maria Augusta Guedes Espeleta Mazzoni, aprovada em 1º lugar para oficial de justiça da comarca de Itanhaém do TJSP no concurso de 1999 e não convocada. O TJ mantinha convênio com a prefeitura para a cessão de candidatos para a função de oficial, sem custo.

“Por decisão unânime do STJ, tendo como relator o ministro Arnaldo Esteves Lima, e com os votos dos ministros Felix Fischer, Gilson Dipp e Laurita Vaz, foi acolhido o recurso da

Maria Augusta. A decisão concluiu que verificando-se a contratação temporária para o exercício de cargos, no prazo de validade do concurso público, para os quais existem candidatos aprovados dentro do número de vagas, surge para estes candidatos o direito líquido e certo à nomeação”, contou Sidnei.

DEPOIMENTO

Maria Augusta, 36 anos, prestou concurso em 1999 para oficial de justiça do TJSP. Ela deixou de trabalhar para se preparar para as provas.

Aprovada em 1º lugar em um concurso de quatro vagas para a comarca de Itanhaém, só foi contratada após entrar na Justiça. A decisão veio em 2007 e, hoje, ela atua na comarca de Osvaldo Cruz.

“Eu prestei vários concursos, até que decidi focar em oficial de justiça. Naquela época, a prova não era centralizada. Então, tinha quase uma por final de semana, prestei umas dez para oficial. Saíam ônibus das cidades para ir prestar e a gente ia sempre encontrando o mesmo pessoal”, lembra, destacando a dificuldade. “Prestei em janeiro de 99 e  soube do resultado em abril. Foram quatro mil inscritos para aquelas quatro vagas”, completa.

“Como abre concurso e não tem dinheiro? E não teve nenhuma crise mundial, nem nada. Ninguém tem ideia da frustração que é isso. A decepção foi horrível”, conta.
De olho no Diário Oficial Para garantir seu direito ao emprego público o candidato aprovado deve manter um olho no prazo de validade do concurso e outro no Diário Oficial. A advogada Valéria informa que para garantir a contratação é preciso entrar com mandado de segurança no último dia de validade do concurso. Ainda há a possibilidade de entrar com uma ação ordinária, cujo prazo é de cinco anos, porém, segundo a especialista, é um método mais dispendioso e demorado.

“Os aprovados devem procurar um advogado com pelo menos três meses de antecedência para o final da validade do concurso para receber as orientações e providenciar toda a documentação que será necessária à ação judicial, como publicações de abertura do edital, homologação de lista de candidatos aprovados onde conste o seu nome, data de validade do concurso, listas das nomeações já realizadas ao longo do concurso, documentos pessoais, etc.” explica Valéria.

CADASTRO DE RESERVA

A nova decisão não vale para os concursos para formação de cadastro reserva. “Nesse caso, vale o entendimento de mera expectativa de direito, pois o concursado deve aguardar a possibilidade de surgimento de vagas. Justamente por este motivo, cada vez mais os órgãos públicos estão promovendo concursos em cadastro de reserva”, avalia a advogada Valéria Lúcia de Carvalho Santos.

Motta, da Anpac, defende o fim desta modalidade de concurso: “Ela causa um desgaste enorme, é altamente frustrante para o concurseiro.

O ideal é que sejam abertos concursos para vagas efetivas. Essa decisão do STJ (sobre o caso do Amazonas) abre o caminho para se questionar a constitucionalidade da prática do cadastro de reserva”.