O patrimônio brasileiro saqueado

Um patrimônio brasileiro de valor cultural inestimável, mas que vale milhões de reais no mercado ilegal, está desaparecido. São 1.686 bens móveis como pinturas, esculturas, tapeçarias, objetos arqueológicos, artesanatos, mobiliários, documentos e fotografias que pertencem ao acervo tombado do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, em sua maioria, foram roubados. Apesar de contar com o apoio da Polícia Federal, Interpol e Unesco, a luta para resgatar as peças tem sido inglória. Segundo a coordenadora da área de bens móveis do Iphan, Izabel Serzedello, apenas dez obras foram recuperadas na última década. Estima-se que o tráfico internacional de bens culturais movimente R$ 12 bilhões por ano, perdendo apenas para o de armas e drogas. O Rio de Janeiro é o segundo estado com maior número de peças desaparecidas, cerca de 600.

– Esses roubos empobrecem a cultura do nosso país – lamenta Izabel. – A população deixa de apreciar, os estudantes não terão o material para estudar e não há como repor.

A Câmara dos Deputados já aprovou nas comissões de Finanças e Tributação e de Educação e Cultura a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o roubo, receptação, contrabando, comércio ilegal e o tráfico de obras de arte e bens culturais do Brasil, os de responsabilidade da União e também de acervos particulares. Mas a tramitação emperrou na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Além de investigar o esquema criminoso, a CPI tem como objetivo modernizar a legislação brasileira para dar mais atenção ao tema.

– Em uma tarde de 2007 eu consegui mais de 300 assinaturas para a CPI, mas agora sinto que há um trabalho para derrubar a matéria – lamentou a deputada que propôs a CPI, Alice Portugal (PCdoB- BA). – Mas essa não será uma CPI natimorta. Se for preciso entro com novo requerimento e recolho as assinaturas novamente. O Congresso não pode fechar os olhos para esse problema que não é isolado.

De acordo com Alice, o esquema utilizado pelos especialistas no roubo de obras de arte costuma ser o seguinte: depois de roubadas, as peças passam por um período de quarentena e só depois são distribuídas a antiquários e colecionadores desonestos que agem como receptadores. E, uma vez nas coleções particulares, a localização da obra torna-se praticamente impossível pois quem compra uma obra roubada sabe que não pode expô-la.

Para o presidente no Brasil do Conselho Internacional de Museus (ICOM), Carlos Alberto Brandão, os roubos encomendados por colecionadores viraram uma lenda porque quem tem interesse por obras de arte e coleciona, “quer mostrar pelo prestígio social”. Segundo Brandão, alguns roubos de museus são feitos por pessoas que não entendem de arte, mas são atraídas pela propaganda de exposições com obras caras e os boatos de que os museus brasileiros têm sistemas de segurança frágeis. E, quando têm a oportunidade de realizarem o assalto, acabam levando peças de valores irrisórios perto de outras que se encontram no mesmo lugar.

Brandão reconhece, contudo, que falta aos museus brasileiros sistemas de segurança mais eficientes:

– Na Europa, além de detector de metais na entrada dos museus, os pertences dos visitantes são vistoriados e isso não interfere negativamente no turismo local – analisa o presidente do ICOM-Brasil. – Mas aqui, quando há um assalto, em seguida a mídia divulga a planta do prédio com as todas as passagens e acesso às obras.

Além de realizar seminários sobre segurança de museus pelo país, o ICOM-Brasil tem apelado para que a Academia de Polícia de São Paulo insira no currículo de seus investigadores a prática de investigar crimes contra o patrimônio cultural.

Diretor do departamento de Patrimônio e Fiscalização do Iphan, Danilo Vieira Filho afirma que o governo não só foca o combate ao tráfico ilegal de obras de arte, mas desde 2007 tem reforçado a prevenção ao furto. Para tanto, tem investido mais em“ projetos de segurança de última geração”. O diretor, no entanto, ressalta que a sociedade deve cobrar das autoridades locais a preservação dos acervos.

O inventariado dos bens culturais é fundamental para o controle dos acervos. Filho estima que há 500 mil obras sacras a serem inventariadas. Esse trabalho é realizado pelo Iphan desde a década de 80. Até o momento cerca de 100 mil peças já foram inventariadas em todo o país. No Rio de Janeiro foram 22 mil e isso porque o Iphan ainda “nem saiu do centro da cidade”, como destaca Izabel. Para a tarefa trabalhosa e cara, entretanto, falta patrocínio. O maior patrocinador do Iphan nesse trabalho, a Fundação Vitae, fechou as portas há quatro anos.