Qual seria a analogia entre o peixe e o ser humano? Um de escamas tem coberto o corpo, outro de pele macia e esticada que amolece e sulca fendas ao longo do tempo. Um tem cabelo o outro não. Um vive na água e o outro no seco e por aí iríamos, sem pestanejar, ao infinito das diferenças que aborreceriam o leitor sem tempo para ler obviedades que a academia costuma produzir com muito mais profundidade e sofisticação.
Essa reflexão inicial é para demonstrar como são impregnadas de sutilezas as analogias que um coletivo faz ao criar provérbios populares: um discurso cristalizado que, não só passa de geração a geração, mas o que é pior (ou melhor?) se encalacra no íntimo da pessoa como um código de conduta e, portanto, envolve outros segmentos que a ciência deixa a desejar. Onde quero chegar? Em geral, numa crônica o meio do miolo é que inventa suas vias porque a única certeza mesmo é a morte. Indesejável a todos e por isso tema delicado a que se deve dar muito respeito. E a desfaçatez ou displicência com que se brinca discursivamente com ela serve para indicar o grau de amor à humanidade de que somos capazes em nosso cotidiano. Tema sagrado que não solicita apenas do dogmatismo religioso para provocar solidariedade.
Não basta viver afirmando a boca pequena que a crueldade costuma ser a tônica cada vez mais comum em nossas relações institucionais. Não é só na universidade em seus meandros que tal comportamento é, não só aceito como compartilhado, sem discussão. Parece que a indiferença e a discrição entre os pares diminui a capacidade crítica… Mas tento outra via deixando de lado a digressão sobre os mecanismos da crueldade em nome da eficiência que toda instituição apregoa. Meu fio condutor é refletir sobre a atualidade do velho dito popular o peixe morre pela boca no século XXI.
Essa vereda redundante da língua em convívio que forma o peixe morre pela boca passa por uma etapa de transformação que provoca dissabores de conseqüências bem mais nefastas que a mera oposição, polêmica ou divergência de fundo político acarretam. O motivo do cuidado é que “hoje o peixe morre pelos dedos”? Só que não é esse o novo provérbio a ser assimilado porque como a analogia do passado já não sobrevive no momento digital… Peixe não tem dátilos.
Aí posso pedir auxílio aos biólogos para encontrarem um animal em que a proeminência seja mesmo os dedos para tentar fixar-me no perigo que a troca de emails envolve quando tenta substituir a boca no ouvido e olvida o perigo.
Concluo que, atualmente, o comportamento anti-assembleista dos jovens docentes da Apufsc (e falo dos apoiadores da diretoria) tem mostrado como o poder digital que agiliza o diálogo, castra encontros e vibra como uma nota fina e cruel da modernização, podendo apresentar dissabores infindáveis contra aquilo que a humanidade com seus suores, tato e pele, boca e orelha construíram ao longo dos séculos.
Olhar o outro como em nosso espelho pode auxiliar-nos a duvidar da máquina como prótese corporal e dos dedos como toque na tecla que não tem entrada e saída como a boca do peixe, do ser humano que faz circular o ar entre os corpos… Mesmo que o cuidado agora seja com a Gripe A, sem deixar de nos precavermos contra a peste, que tal apostarmos no prazer da voz, no encontro das sextas, no elixir da poesia, da música e da arte para dirimir arestas, bebericar e fomentar a vida para além dos pontos no Lattes, enquanto os licores que correm pelas nossas veias nos mantenham vivos?
Abramos a boca para soltar os peixes que os anzóis fisgaram? Soltemos os anzóis das bocas fisgadas dos peixes que morrem? Ou …
Definitivamente contra a morte que nos engole na esquina com a certeza das águas que rodeiam a ilha, que cospem espuma na praia e mordem os limites do escasso humanitarismo… Vamos deixar de viver pela ponta dos dedos, esquecidos de que temos sede, sem boca, bebamos a sede!