Está num impasse a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada no dia 16 de abril por meio de decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seis das oito entidades empresariais que integravam a Comissão Organizadora Nacional, encarregada de preparar a conferência, marcada para o início de dezembro, abandonaram o barco. São elas: a Associação Brasileira de Rádio e Televisão, a Associação Nacional de Jornais, a Associação Nacional dos Editores de Revistas, a Associação Brasileira de TV por Assinatura, a Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil e a Associação Brasileira de Provedores de Internet. Apenas a Associação Brasileira de Telecomunicações, que representa as teles, e a Associação Brasileira de Radiodifusores, que congrega a Band e a RedeTV!, decidiram prosseguir no grupo, mas o mal-estar continua. A cisão, que retirou da comissão organizadora a maior parte da mídia brasileira, pôs em xeque a legitimidade da Conferência.
A ideia de uma conferência para o setor não é má. Desde 2003, o governo federal já realizou eventos semelhantes para debater outras áreas, que vão da cultura à juventude, e eles foram úteis em apontar problemas, carências e demandas que podem ser resolvidos pelo poder público. A Conferência Nacional de Comunicação, no entanto, tem uma particularidade. O seu tema, “Construção de direitos e de cidadania na era digital”, conforme estabeleceu o decreto de convocação, envolve não apenas os chamados “movimentos sociais”, mas diz respeito, diretamente, às empresas que atuam na comunicação social. Se esse grupo se manifesta desconfortável com os rumos das discussões – a ponto de retirar-se dos preparativos da Confecom -, um sinal amarelo se acende.
Uma expressão está no centro do impasse: “controle social da mídia”. Como ela não consta da legislação em vigor, o que se entende por “controle social da mídia” não está bem definido. Cada um dá à expressão o significado que mais lhe apetece. Para alguns, ela significa apenas a vigência de mecanismos democráticos e impessoais de regulamentação e de regulação das emissoras, que, como concessionárias de serviço público, devem prestar contas de suas atividades à autoridade. Nada de errado com isso. Nas principais democracias, os regimes de regulação preservam o interesse público. Para outros, contudo, a mesma expressão pode abrigar condutas que venham a ferir os princípios da livre iniciativa e da liberdade de expressão, dando margem para que se persigam estações de rádio e de televisão com base em ideologias abstrusas e assembleísmos. Daí para o autoritarismo, não é preciso dizer, basta um pequeno passo.
Em virtude da imprecisão do slogan em que se converteu o “controle social da mídia”, o receio do empresariado se justifica. É natural que uma conferência dessa natureza debata os marcos regulatórios, mas é também necessário que, nela, não se agridam princípios constitucionais – e é aí, precisamente, que reside o desconforto das entidades dissidentes. Elas alegam que os parâmetros que disciplinariam o escopo dos debates, a serem aprovados pela comissão organizadora, não ficaram suficientemente claros. Daí não se descartar a hipótese de que a 1ª Conferência Nacional de Comunicação possa vir a se converter num comício partidário para atacar os meios de comunicação comerciais. O risco não é pequeno, sobretudo quando se leva em conta que 2010 é um ano eleitoral e que setores do governo talvez queiram se valer das resoluções da conferência para ameaçar as redes privadas.
Com efeito, os ataques às redes comerciais são recorrentes entre os porta-vozes dos movimentos engajados nos preparativos da Confecom, mas quase nada se fala sobre o aparelhamento das emissoras públicas e estatais, que também deveria ser combatido pelos que dizem defender a democracia. Não restam dúvidas quanto à necessidade de que os antigos vícios da radiodifusão, como o oligopólio e a crescente vinculação entre interesses religiosos e estações de rádio e TV, além da instrumentalização dos meios públicos, sejam rapidamente superados. Mas a partidarização da conferência pode pôr tudo a perder. O afastamento das entidades empresariais da fase preparatória da conferência deve servir de alerta para que o governo reconduza sua iniciativa aos trilhos adequados.