Desde que foi eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) na semana passada, o paulistano Augusto Chagas, de 27 anos, falou muito de política e pouco de educação. Mas o militante do PCdoB disse, em entrevista à Megazine, que não pretende seguir carreira política e que só quer “construir um país mais justo”. Na terceira faculdade, depois de não concluir outros dois cursos, Chagas acredita que o novo modelo do Enem é um passo à frente para o fim do vestibular, que, segundo ele, “é um instrumento de seleção socioeconômica ao avesso, pois garante que as camadas sociais privilegiadas estejam na universidade”. Confira as respostas de Chagas para perguntas feitas por leitores através do site do GLOBO e do nosso Twitter (twitter.com/RevistaMegazine) sobre assuntos como cotas e reforma universitária.
Há quantos anos você é universitário e quanto falta para se formar? (Francisco Dias)
AUGUSTO CHAGAS: Entrei na universidade em 2001 para cursar Ciências da Computação na Unesp de Rio Claro, onde me mantive matriculado até 2007. Tive que me mudar para lá para e largar meu emprego para estudar. Em 2005, fui eleito presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo, voltei para a capital e reduzi a carga horária da minha grade. Em 2008, resolvi trancar e estudar Direito na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), pois sentia falta de ciências humanas na minha formação. No fim do ano passado, passei para Sistemas de Informação na USP. Como tenho mais de 75% do currículo cumpridos, pois há disciplinas em comum com Ciências da Computação, devo me formar no ano que vem.
Quando a UNE vai começar a cobrar dos governos a melhora nos ensinos fundamental, médio e técnico? (Carlos Eduardo Gomes)
CHAGAS: Defendemos a construção de um sistema nacional de educação em que a divisão das responsabilidades governamentais (federal, estadual e municipal) funcione de maneira plena, o que não acontece. Em 2010, teremos a primeira Conferência Nacional de Educação, com governo, professores, estudantes, pais, empresários, todos os setores envolvidos no processo educacional. O debate está pela metade. A luta da UNE é pelo avanço da educação como um todo e para ampliar o investimento no setor, que hoje é de 4% do PIB. Queremos chegar a 10%, e que 50% do lucro da exploração da camada pré-sal sejam investidos em educação.
Além da bolsa estudantil e do passe livre, quais são os compromissos da UNE com as questões universitárias e de interesse social? (Leonardo Sodré da Cunha)
CHAGAS: Nossa principal preocupação será a reforma universitária, desde o avanço nas eleições para reitores até a democracia na universidade privada. Outra bandeira será a aprovação de uma nova regulamentação da meia entrada para estudantes. A construção da nossa sede, na Praia do Flamengo, um prédio histórico destruído pela ditadura militar, também é uma prioridade. Temos direito à indenização para construção da nova sede, com projeto do Niemeyer, que seria uma grande vitória.
Qual é a sua posição em relação às cotas raciais? (Antonio Luis Ribeiro Sabariz)
CHAGAS: A UNE defende a adoção de cotas sociais e, dentro delas, as cotas raciais, para diminuir o abismo educacional que existe para negros e índios dentro do recorte social de cada estado. Vamos continuar combatendo setores que não achem essas medidas significativas, pois elas são sinal de democratização de acesso à universidade.
A UNE apoiou a candidatura do Eduardo Paes quando o mesmo prometeu que os estudantes teriam direito a pagar metade das passagens nos ônibus, mas até agora nada. O que você acha disso? (Renata Lisboa)
CHAGAS: A UNE não apoiou a candidatura, mas apresentou suas reivindicações ao candidato, que se comprometeu com essa proposta. O prefeito Eduardo Paes já recebeu a UEE do Rio e disse que enviaria o projeto do meio passe para a Câmara. Estamos animados com a possibilidade dessa conquista e vamos brigar por isso.
Como você vê a sentença do STF dispensando o diploma de jornalismo para exercício da profissão? A UNE vai se engajar nesta luta da FENAJ e sindicatos ou vai apoiar os grandes veículos?
CHAGAS: Vejo de maneira negativa a decisão do STF. Acho que a exigência do diploma para exercício da profissão nunca impediu que outros profissionais pudessem emitir opinião, o que é diferente de noticiar o fato, da notícia propriamente dita. É necessário que haja uma regulamentação da profissão para que possamos ter um sistema de comunicação mais responsável e mais moderno. A UNE pretende se engajar nessa discussão ao lado daqueles que defendem que a regulamentação é necessária e que defendem o diploma.
O que podemos esperar do seu mandato: uma UNE mais imparcial ou aquela que estamos acostumados a observar, ou seja, extremamente ligada a partidos políticos como PC-doB e PT?
CHAGAS: A presença de partidos políticos no movimento estudantil sempre existiu, mas a UNE constrói suas decisões da maneira mais plural e democrática que conheço. Desafio achar casos em que um processo de decisão em suas campanhas seja tão pleno como na UNE. Durante meses, congressos estaduais acontecem e desembocam num congresso nacional, que é submetido a uma plenária para que os estudantes possam apresentar suas propostas. A presença dos partidos políticos sempre existiu no interior da UNE defendendo suas ideias. Mas as resoluções não são atreladas aos partidos porque a maioria dos estudantes não tem filiação partidária. O posicionamento da UNE tem a ver com as decisões aprovadas no congresso, construído de forma ampla, democrática e plural. A opinião da UNE tem a ver com essas propostas.
Quando a UNE pretende adotar a eleição direta para a presidência da entidade? Outra pergunta: por que a UNE é tão categórica em exigir eleições diretas pra reitores de universidades, porém são tão intransigentes em impedir a eleição de dirigentes da UNE diretamente, tendo somente eleições de delegados que vão ao congresso votar?
CHAGAS: Organizar uma eleição direta para 7 milhões de universitários colocaria em risco a entidade. Realizar uma eleição nacional com esse perfil seria muito caro, já que se trata de uma entidade organizada só por estudantes. Em 1987 a UEE de São Paulo tentou uma eleição direta e, por divergências nos resultados, o pleito foi parar na Justiça, fazendo que a UEE ficasse sem diretoria de 1987 até 1993. Desde o nosso congresso de 2007, a UNE já exige que aconteçam eleições diretas nas universidades em todo o país, que elegeram delegados para ir ao congresso desse ano. A nossa forma de eleição é aprovada pelo Congresso, e a maioria dos estudantes tem dificuldade de realizar uma eleição nacional e simultânea. No congresso, as lideranças se encontram para debater as principais ideias. Há estudantes que demoram três dias para chegar lá. Eles não são porta-vozes de seus intresses individuais, mas das propostas que são discutidas.
Que tal um programa em que os estudantes participem de atividades educacionais, médicas, e ajudem nacontrução de casas populares?
CHAGAS: O estudantre é uma parcela muito privilegiada da sociedade do ponto de vista da possiblidade de formação e deve se enxergar com essa autoridade. Esse profissional e esse cidadão que a universidade está formando devia estar mais próximo dos serviços públicos no Brasil. Os médicos deveriam estar mais ligados ao SUS, e os professores ao sistema público de educação. Temos que buscar mecanimos para que os universitários estejam mais ligados às políticas públicas. A UNE tem alguns projetos de extensão, entre eles o Rondom, que leva grupos de universitários de todo país a espaços remotos para desenvolver programas que permitam as comunidades crescer socioeconomicamente. Pretendemos construir programas que tenham a ver com a realidade urbana das universidades. A UNE não desenvolve nenhuma atividade desse tipo, mas sou um grande entusiasta para que isso possa acontecer nos grandes centros urbanos.
Presidente, gostaria de saber como o senhor analisa o atual cenário do movimento estudantil brasileiro . Falta um líder com vontade ou falta vontade de ter um líder?
CHAGAS: O movimento estudantil é feito principalmente das ideias que lideram a construção histórica a nossa capacidade de intervir na história. Não acredito que falte um líder. Vivemos um momento de muito prestígio, em que a UNE se consolida como uma entidade moderna. Os números do último congresso mostram isso. A expectativa dessa próxima gestão é ampliar essa base, fundar novos centros acadêmicos, novos DCEs para que possamos ter uma força maior nessa rede, seja para as pautas estudantis seja para as de interesse da população. Me considero um representante, alguém que tem uma tarefa dentro do movimento, e que vou procurar fazê-la com muita responsabilidade. O que faz a nossa força são as milhares de lideranças estudantis.
O que você pensa em fazer para que os estudantes voltem a se identificar com a UNE e não só os jovens politizados dos partidos políticos e militantes?
CHAGAS: Os estudantes já se identificam com a UNE, que tem conseguido demostrar sua capacidade de mobilização junto aos estudantes em atividades como a Bienal de Artes. Realizamos um conselho de DCEs com mais de 300 diretórios, construímos um congresso com mais de duas mil eleições diretas e mais de dois milhões votos diretos para eleger seus representantes. A maioria desses jovens não é politizada. A ampla maioria não tem filiação partidária. A UNE tem diversificado sua pauta, com um centro universitário de cultura e arte, para jovens que têm interesse na área cultural, com nossa agenda ligada aos desportos e aos jovens cientistas. Prentendemos diversificar a pauta da UNE para que mais jovens possam participar do movimento estudantil.