Cartão de crédito cobra 600% de juro

Os consumidores que costumam rolar parte de suas faturas de cartão de crédito estão cometendo um suicídio financeiro. Os juros cobrados pelos bancos chegam a 600,73% ao ano, caso de cartão emitido pelo Unibanco. Esse encargo, praticamente impagável, corresponde a quase 70 vezes a taxa básica de juros (Selic) de 8,75% anuais. “Não há consumidor que consiga honrar seus compromissos em dia”, diz Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

O que mais espanta é que os juros cobrados pelo cartão do Unibanco subiram de janeiro para cá — naquele mês, a taxa estava em 499,95%. “Vários bancos aumentaram as taxas, mesmo com a Selic tendo caído cinco pontos percentuais este ano. Não há nada que justifique esse movimento”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin. “Em quase todas as linhas de crédito, houve repasse parcial ou integral da Selic. Menos nos cartões”, acrescenta.

Além do Unibanco, aumentaram os juros dos cartões do Citibank, de 248,27% para 291,08% ao ano, e do HSBC, de 282,24% para 306,69%. Bradesco (332,99%), Itaú (310,99%) e American Express (143,28%) mantiveram o nível. Entre os grandes bancos, somente os públicos, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, seguindo determinação do governo, deram refresco ao bolso dos consumidores (leia quadro acima).

Intervenção
A resistência dos cartões em acompanhar a queda dos juros aumenta a disposição do governo em intervir. Até setembro, o Banco Central, além dos ministérios da Fazenda e da Justiça, devem baixar medidas para forçar a concorrência e derrubar as taxas de juros. “Juros de 600% são um abuso inaceitável, só podem ser praticados em um cartel”, diz um técnico do BC.

Ele reconhece que o governo tem parcela de culpa. Esse segmento nunca teve regulação séria, sempre viveu nas sombras. Apenas duas bandeiras, Visa e Mastercard, operadas por Visanet e a Redecard, são donas de mais de 90% dos negócios. E, pior: dominam todo o processo, do credenciamento dos comerciantes à emissão dos cartões. Para completar, os bancos são donos das duas empresas. “Está tudo preparado para que comerciantes e consumidores garantam lucros extraordinários para as duas empresas e os bancos”, ressalta integrante do Ministério da Justiça. “Mas essa farra vai acabar”, emenda um assessor do Ministério da Fazenda.

A disposição do governo de intervir deixou as empresas e os bancos em sinal de alerta. Num primeiro momento, a opção foi pelo silêncio, para não alimentar o debate. Mas, na última sexta-feira, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), decidiu mostrar a cara, numa clara resposta à ameaça do presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro, de recorrer à Justiça contra a Redecard e a Visanet. Ele acusa as empresas de formação de cartel e de abuso de poder econômico.

Em nota, a Abecs disse que “todas as suas associadas são amplamente favoráveis à livre concorrência”. A nota foi motivo de ironias na Fazenda e no BC. “As empresas pensam que todo mundo é bobo. A verdade do setor de cartões é que faltam transparência e concorrência. E é isso que vamos impor muito em breve”, assegura o assessor da Fazenda.