A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fechará o cerco aos falsos planos de saúde coletivos. Duas resoluções que estabelecem regras mais rígidas para o setor devem ser publicadas até sexta-feira. O foco são os contratos de adesão (1)oferecidos por grupos que estão longe de ser empresariais ou coletivos, como integrantes de condomínio, frequentadores de clubes esportivos e até famílias. Isso porque a única exigência para “fundar” esse tipo de serviço é a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e, a partir de duas pessoas sem qualquer vínculo, já se considera plano coletivo. Em geral, essas entidades oferecem esse tipo de produto com preço mais acessível que o plano individual. Muitas vezes, porém, isso pode sair caro para o consumidor, que não tem a garantia do serviço e pode ser surpreendido com reajustes abusivos, já que a ANS não intervém nesses contratos.
Diante da explosão dessa categoria — nos últimos três anos, o número de usuários saltou de 1 milhão para 3 milhões — e do crescente número de reclamações de beneficiários quanto a prazos de carência(2), altos índices de aumento e rescisão unilateral de contratos, a ANS teve que fechar as brechas. A agência não quis dar detalhes do texto à véspera de sua publicação, mas pela proposta que esteve em consulta pública e por fontes ouvidas pelo Correio, é possível antecipar as principais mudanças.
Uma delas diz respeito à oferta desse tipo de plano. Entidades como caixas de assistência e fundações de direito privado só poderão fazê-lo depois de passar por avaliação prévia da ANS. A exigência de carência, que hoje é permitida independentemente do número de participantes, deixa de existir, desde que o beneficiário ingresse no plano em até 30 dias da celebração do contrato coletivo.
As condições de rescisão ou suspensão dos planos devem estar previstas no contrato celebrado entre as partes e somente poderão ser rescindidos sem motivo depois da vigência do período de 12 meses e mediante prévia notificação da outra parte, com antecedência mínima de 60 dias. Pela regra atual, o contrato pode ser rescindido a qualquer tempo, sem aviso prévio, desde que não haja mais interesse de uma das partes. No quesito reajuste, nenhum contrato poderá ter variação de preços em periodicidade inferior a 12 meses, regra que não existe hoje. Também não poderá haver aplicação de percentuais diferenciados dentro de um mesmo plano de um determinado contrato.
Paliativos
Para órgãos de defesa do consumidor, porém, as medidas que serão implementadas pela ANS são tímidas e não atacam todos os problemas. Daniela Trettel, assessora de representações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), rechaça a postura da agência de não regular reajustes desse tipo de plano. “Hoje, como se vendem planos coletivos a partir de duas vidas, o custo inicial é menor, mas saltam de preço quando o usuário mais precisa, pois cada empresa avalia a sinistralidade de uma forma e, em um grupo pequeno, se uma pessoa usar, o percentual aumenta bastante”, explica.
A segunda crítica é a falta de regulamentação sobre rescisões unilaterais do contrato. “Esses planos ficam desregulamentados nos pontos que envolvem dinheiro e que mais interessam às empresas: o reajuste e quando elas querem se livrar do consumidor”, provoca. A advogada lembra que outro problema é a carência, já que a portabilidade(3), em vigor desde abril só vale para planos individuais.
Problema
O aposentado Walter Bertolucci, de 73 anos, conhece bem os problemas dos planos coletivos por adesão. Em 2004, ele assinou um contrato que pensava ser direto com a Unimed, via uma entidade de Brasília, chamada Aliança, mas só em maio deste ano se deu conta de que, na verdade, fazia parte de uma carteira de clientes de planos coletivos.
Walter achava estranho a mudança de nome da operadora nos boletos: primeiro Unimed-Tocantins, depois Unimed-Vitória e, agora, Unimed-Cruzeiro (SP). Mas como ele nunca tinha tido problema, não procurou saber. Em maio, porém, ao precisar fazer uma cirurgia, veio a desagradável surpresa: o atendimento foi negado sob o argumento de período de carência. “Não entendo porque tenho carência se pago convênio há cinco anos”, reclama. Ele não sabia a quem recorrer, já que o boleto vinha a em nome de uma entidade chamada Inbe — que assumiu a carteira de clientes depois que a Aliança foi interditada pela ANS —, que, por sua fez, transferiu a responsabilidade de administrar o plano para um clube de benefícios.
A questão só foi resolvida depois que o consumidor entrou em contato com o Correio, quando foi constatado que o contrato com a Unimed-Cruzeiro (SP) não previa período de carência. A reportagem apurou que, pelo estatuto, a associação tinha o direito de mudar de operadora que oferecesse o menor preço com ou sem carência. Por isso, as mudanças de nomes nas Unimed”s nos boletos.
No caso em questão, o problema vivenciado pelo usuário não teve ligação direta com a Unimed, que é a operadora contratada pela associação que oferece planos de saúde por adesão. O impasse é resultado das frequentes mudanças de contrato que a entidade intermediária faz. A reportagem entrou em contato com a Unimed-Cruzeiro (SP), mas não conseguiu obter mais informações.
Para Arlindo Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo, a regulamentação protege o consumidor. “Muitas vezes, são falsos planos de saúde. O preço é bem menor, mas, depois, o usuário é surpreendido com reajustes altos e até mesmo com o fim do contrato”, observa. “A empresa tem que ter representatividade. Não pode ser um clube de pessoas qualquer”, diz. Procurada, a Fenasaúde, que reúne as seguradoras do setor, preferiu não se pronunciar até a publicação das normas.
1 – ADESÃO
Plano de saúde coletivo por adesão é aquele que tem como intermediários conselhos profissionais e entidades de classe, sindicatos, associações profissionais legalmente constituídas, cooperativas que congreguem membros de categorias ou classes de profissões regulamentadas e outras entidades, tais como caixas de assistência e fundações de direito privado.
2 – CARÊNCIA
A carência é o prazo estipulado pelas operadoras para restringir atendimentos. Antes da portabilidade, se um usuário quisesse mudar de operadora ou de plano, teria de cumprir um novo período de carência, o que significava ficar até seis meses sem acesso aos serviços ou até dois anos sem assistência para doenças pré-existentes. Nos planos coletivos, a exigência de carência é estabelecia pela operadora de plano de saúde.
3 – PORTABILIDADE
Portabilidade é um direito do usuário de mudar de uma operadora de plano de saúde para outra, levando consigo as carências cumpridas. O benefício é restrito a planos de saúde individuais contratados a partir de janeiro de 1999. É considerado pela ANS como instrumento de estímulo à concorrência, permitindo que os consumidores tenham liberdade de escolha.
Muitas vezes, são falsos planos de saúde. O preço é bem menor, mas, depois, o usuário é surpreendido com reajustes altos e até mesmo com o fim do contrato