Está no currículo Lattes: Galvão Bueno, o locutor esportivo da Globo, tem graduação em medicina pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mestrado em engenharia eletrônica pelo MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts) e doutorado em física pelo Caltech (Instituto Tecnológico da Califórnia). Trata-se, evidentemente, de uma falsificação, ao que tudo indica produzida para ilustrar a vulnerabilidade da Plataforma Lattes a fraudes.
A peça fictícia está sendo usada numa polêmica que mobiliza pesquisadores de diversas áreas. No caso, é argumento em favor de controles rígidos sobre a mais importante base de dados a respeito de cientistas e instituições de pesquisa do país, mantida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O debate é relevante porque o currículo Lattes é um dos elementos que mais pesa na hora de decidir a destinação de verbas públicas para laboratórios, bolsas, viagens etc.
O currículo falso de Galvão Bueno -que também informa que o apresentador é fluente em croata, chinês e guarani- já foi retirado da base de dados do CNPq, mas ainda pode ser encontrado em imagens “cache” de sites como o Google.
Os defensores de maior rigor na plataforma, entre os quais o físico Paulo Murilo Castro de Oliveira, 60, da Universidade Federal Fluminense (UFF), dizem que o CNPq deveria verificar a fidedignidade das informações postadas. Segundo ele, “são cada vez mais frequentes as notícias sobre fraudes. O fato é que oportunistas existem em todas as áreas, inclusive entre cientistas, naturalmente”.
A revista “Piauí” publicou reportagem mostrando que até o currículo Lattes da ministra Dilma Rousseff foi “turbinado” (leia mais na página A8).
Para o pesquisador da UFF, “é preciso fazer algum tipo de verificação. As informações que estão na Plataforma Lattes devem ser checadas pelo CNPq e, se não houver o trabalho que o sujeito diz que publicou, ou o curso que ele diz que fez, o usuário deve ser questionado”.
Quando surgiu, há dez anos, a Plataforma Lattes tinha apenas o objetivo de servir como fonte de informação “inter pares”. Mais recentemente, contudo, a base cresceu e ganhou novas funções: orientandos se valem da plataforma para selecionar seus orientadores, e vice-versad+ alunos usam-na para saber quem é que lhes dará aulasd+ empresas, para selecionar consultoresd+ jornalistas, para eleger suas fontes. “Até existe um caso de um administrador que usou o Lattes para achar um profissional em São Paulo com a especialização médica que a mulher dele necessitava”, disse Geraldo Sorte, coordenador-geral de informática do CNPq.
A ala mais liberal, que inclui pesquisadores como o bioquímico Rogério Meneghini e o físico Ronald Cintra Shellard, admite que a fragilidade da base dá margem a injustiças, mas não acha que seja o caso de criar uma “polícia do Lattes”.
O nível de problemas hoje detectado não justificaria o custo de fazê-lo. De resto, como ressalta Meneghini, que se especializou em métodos de avaliação da produção científica, cabe à banca de um concurso conferir a autenticidade dos dados constantes dos currículos apresentados pelos candidatos, não acreditar piamente no que está escrito.
Sem polícia
“Quem tem de coibir eventuais fraudes no Lattes é a instituição envolvida no caso”, concorda Shellard. “A chancela de qualidade de um pesquisador vem da instituição a que ele está ou esteve vinculado. Pode até haver quem ache engraçado um currículo falso do Galvão Bueno. Mas, se não houver o aval de uma instituição científica, aquilo não vale nada”, diz.
Geraldo Sorte, do CNPq, diz que “existem fraudes em tudo quanto é lugar, mas é uma pena que haja quem queira jogar fora todo esse trabalho porque alguém foi inescrupuloso”.
Segundo ele, na última reunião da comissão responsável pela plataforma, em maio, foram avaliadas dez denúncias de fraudes em currículos, que resultaram em três expurgos e uma suspensão. Os demais casos serão apreciados na próxima reunião, que deve ocorrer em agosto. A Plataforma Lattes, com 1,1 milhão de currículos, recebe em média 10.052 atualizações diárias.