O usuário que baixar arquivos protegidos por direitos de propriedade intelectual na internet, como músicas e vídeos, pode ser punido e até ter o acesso à rede cancelado. Pelo menos é isso que prevê um projeto de lei proposto pelo deputado Bispo Gê Tenuta (DEM-SP), que cria penalidades civis para quem faz download ou compartilha arquivos digitais na web.
O PL 5361/2009 propõe que os provedores de acesso à internet sejam obrigados a identificar os usuários que efetuem o download de arquivos protegidos por propriedades autorais nas chamadas redes de compartilhamento, ou P2P (sigla em inglês para ponto a ponto). A punição, segundo a proposta, aconteceria de forma gradativa. Na primeira ocorrência, o usuário seria informado por e-mail de que esse tipo de download constitui crime. No caso de reincidência, o provedor poderia suspender o acesso do internauta de três a seis meses e até cortar definitivamente a conexão.
O polêmico projeto se soma a outras propostas que circulam no Congresso. A mais famosa é a do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que propõe novas formas de enquadramento para crimes cometidos na internet e prevê que os provedores armazenem por até três anos todos os dados de conexão do usuário — caso as autoridades solicitem para fins de investigação. Críticos defendem que esse tipo de proposta colocaria em xeque a privacidade do internauta.
Segundo o Bispo Gê Tenuta, sua principal intenção é reeducar os internautas. “Quero gerar uma discussão e uma conscientização na população que utiliza esses meios, já que há quem baixa música na internet e nem sabe que isso é ilegal”, argumenta o deputado, para quem os usuários que fazem o download devem pagar por isso. “Quem tem um computador com internet em casa não é pobre e pode muito bem pagar, nem que seja R$ 1, para ter uma música”, acredita.
O diretor da Associação Brasileira dos Produtores de Disco, Paulo Rosa, diz que, atualmente, uma das principais formas de piratear CDs vem da web. “A disponibilização ilegal nas redes P2P vem causando enorme dano, tanto às companhias que produzem e comercializam música, quanto aos artistas”, acusa. Tenuta admite que o projeto sofreu forte influência da chamada Lei Hadopi(1), sancionada em maio na França e depois suspensa.
Reações
Para Marcelo Branco, coordenador do projeto Software Livre Brasil e um dos principais ativistas do movimento contra a regulação da internet no país, o projeto de Tenuta não deve ir adiante, uma vez que fere um dos princípios básicos da Constituição: o direito à privacidade. “Para que seja possível fazer esse tipo de sanção, o provedor precisa vigiar a conexão de seus usuários. Me pergunto como fazer essa vigilância sem violar a privacidade das pessoas?”, questiona. De acordo com ele, indústrias como a fonográfica e cinematográfica precisam repensar o atual modelo de negócio — já que os consumidores desejam obter os conteúdos em outros meios, como o digital. “Quando eu compro um CD, eu posso querer passá-lo para frente, sem fins lucrativos, não é? Por que não posso fazer isso com o CD digitalizado?”, questiona.
O advogado Luiz Henrique Souza, especialista em direito digital, aponta várias falhas para o texto. “O primeiro deles é o da intimidade”, diz. “Somente com um pedido judicial um provedor pode monitorar o que um cliente faz na internet.” Para o também especialista em direito eletrônico, Renato Opice Blum, o fato de o texto delegar aos provedores a tarefa de punir o internauta abre espaço para a inconstitucionalidade da proposta. “Ao não permitir que o usuário tenha direito de defesa, o projeto viola um preceito básico do cidadão”, informa.
LEI HADOPI
Sancionada em maio na França, a lei criou um órgão governamental independente batizado de Hadopi, que tinha o direito de vigiar IPs suspeitos e punir gradativamente os usuários de redes P2P. No entanto, um mês depois de entrar em vigor, a Corte Suprema francesa julgou a lei inconstitucional, ao avaliar que ela violava o direito do livre discurso e da presunção da inocência.